Está mais que excruciada esta nova tendência do livre arbítrio de adolescentes prevalecer sobre uma sociedade nada utópica, plagiada das páginas do Admirável Mundo Novo de Huxley e 1984 de Orwell. Em The Giver – O Dador de Memórias o pior é que, para além de copiado, nem sequer é credível.
É sobre um jovem (Brenton Thwaites) que escapa a um sistema que droga os seus habitantes, inofensivos e privados de conhecimento, ao ser-lhe conferido o cargo de “Receptor”, ou seja, um guardião da ciência e das mais humanas emoções (amor, ódio, etc.) dos quais que a civilização foi privada. Claro está que o objetivo do protagonista passa então a ser terminar o regime opressivo, partilhando a sabedoria a que teve acesso e libertar a sua cidade deste cativeiro inconsciente e apático.
Como dizíamos, a credibilidade é por nós referida contra algumas das sequências irrealistas e enfadonhas que existem apenas para “encher o olho”, nomeadamente, o mergulho e sobrevivência de um bebé de uma altura de cem metros ou a sua perfeita saúde depois de estar horas exposto a temperaturas álgidas. Mas há mais que apontar como defeitos aqui. Os atores adolescentes (Thwaites, Odeya Rush e Cameron Monaghan), se bem que possa ser essa a intenção deste trabalho, são inexpressivos e descuidados, de tal forma que nos repele a ideia de chamar ao que fazem de “representação”. Jeff Bridges (no papel do “Dador” do título), Katie Holmes e Meryl Streep existem apenas para chamar a atenção no material publicitário e são desaproveitados, sem nada a que se possa chamar de profundidade.
Blockbuster exíguo e mais que previsível, com um uso de música enjoativo e componentes técnicas um pouco amadorísticas (boa parte do filme é passada num preto-e-branco conferido por um desses programas de edição que já vêm no sistema operativo) e realização e argumento formatados, é outro discípulo da receita dos estúdios americanos (olha o interesse amoroso de olhos claros, olha a manda-chuva/má da fita, olha o mentor/figura paternal do miúdo), insípida e defeituosa, numa “xaropada” sobre os temas recicláveis do ser-se humano e que, afinal, o amor justifica mesmo toda a existência de ódio e dor que há pelo mundo.
Ficam as saudades desse filme notável (imperfeito, é certo, mas ainda assim bastante reflexivo) do final da década de 90 chamado Gattaca que, desastrosamente, tem tido uma sucessão corruptível de filhos pródigos onde The Giver recai como a mais recente aquisição.
O melhor: A nostalgia que deixa de Gattaca.
O pior: O meio que segue para esse fator, ou seja, existindo.
Duarte Mata