Quinta-feira, 2 Maio

«L’Inconnu du Lac» (O Desconhecido do Lago) por André Gonçalves

Num mar de lançamentos cinematográficos amorfos e cobardes, ou que cedem sempre à última, sabe mesmo muito bem ver um único filme que seja sem qualquer vontade de “fazer vontades”..

Entre os vários motivos pelos quais L’Inconnu du Lac é um dos filmes mais marcantes dos últimos anos, poderia salientar dois fulcrais e extra-técnicos (já lá vamos). Um é a visão arrepiante e talvez nunca tão bem capturada em filme do “engate gay”, aqui numa versão francesa da mata da praia 19, como um ritual de tribo (atente-se à expressão “um dos vossos” como a pessoa que estava ao meu lado bem reparou!), repetitivo, e que eventualmente conduz a uma morte, seja ela física ou simplesmente romântica – e aqui cabe tudo, desde a SIDA, como a ideia da homossexualidade como algo bem porco e que precisa de ser ocultado. O outro é de facto uma recusa de inserir qualquer moralismo, mesmo quando sabemos que há ali uma tese a ser feita, e uma consciência de que a nossa mente e natureza não são de todo racionais (estou já a ouvir as vozes discordantes a dizer “mas porque raio é que ele fez isto depois do que aconteceu?”), sobretudo no que toca ao desejo e à repulsa, o amor e a violência, aqui dois pólos que se tocam, e onde uma sequência de ejaculação dá lugar a um afogamento não-acidental vistos pelos olhos do protagonista/espectador.

Passando a termos mais técnicos, é verdade que L’Inconnu du Lac encontra em Alain Guiraudie o realizador ideal, plenamente consciente de tudo o que há aqui para cobrir. É verdade que estamos perante um dos filmes mais belos do ano, esteticamente falando, onde se deve salientar o trabalho esplendoroso de fotografia de Claire Mathon e todo o trabalho de som, capturando os sons mais remotos de moscas na mata, o que na ausência de qualquer banda sonora, se transformam na banda sonora “oficial” do filme. E que temos aqui não uma, não duas, mas três revelações nos atores Pierre Deladonchamps, Christophe Paou e Patrick d’Assumçao.

Fica no entanto o aviso que, dado o conteúdo explícito do filme, este não será para todos. Para os mais aventureiros, fica a certeza de uma experiência cinematográfica e intelectual inesquecível.


André Gonçalves

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