Domingo, 28 Abril

«Blancanieves» por Roni Nunes

Dificilmente se consegue saltar do comboio em vertiginoso movimento daquilo a que se pode chamar o “nosso tempo”, mas sentar no banco de uma estação rodeada de uma paisagem bucólica e refletir sobre passado, presente e futuro se faz mais do que urgente. É precisamente isso que “Blancanieves” significa: um olhar inventivo para o passado em busca do rejuvenescimento do presente e da criação de perspetivas para o futuro.

Todo rodado em preto-e-branco e sem diálogos, utilizando-se das legendas à maneira do cinema mudo e com a música orquestral (recheado de folclore espanhol) também comum àquele formato, o filme é uma releitura da história da “Branca de Neve”, dos irmãos Grimm. A obra mantém, adaptados à realidade espanhola (ao invés de aristocratas em guerras  dinásticas, temos toureiros e outros elementos típicos, como as danças e a música), a maioria dos seus elementos principais – com a curiosa exceção do espelho mágico. 

De resto, estão lá a bela protagonista (Macarena Garcia), os sete anões, uma rainha má (Maribel Verdú), uma maçã envenenada – num fresco visual e sonoro onde os signos da cultura espanhola misturam-se com os arquétipos da clássica história de ambição, crueldade, poder, luxúria e inocência.

Talvez uma das conclusões mais ilustrativas sobre este significado de “Blancanieves” se consiga extrair de uma comparação, em muitos aspetos pouco recomendável, com a versão hollywoodiana mais recente da mesma história – “A Branca de Neve e o Caçador”. O filme estrelado por Kristen Stewart é um blockbuster, um daqueles filmes pensados pelo estúdio para ser distribuído em todo o lado e cativar milhões de espetadores. 

Por isso, nenhum recurso é poupado e a obra, a nível de produção, tem tudo o que se pode desejar: efeitos visuais sofisticadíssimos, cenários esplendorosos, cenas de ação impecáveis. “A Branca de Neve e o Caçador”, produto de uma cultura fortemente vincada na busca da hiper-realidade – naquilo que Umberto Eco designava por “irrealidade quotidiana” – é um ponto de chegada, cuja continuidade só se poderá dar através de mais tecnologia (mais ciência e menos arte).

Ao contrário, a versão espanhola é voltar ao ponto de partida: “Blancanieves” é reinvenção, é parar para procurar outra coisa, outra possibilidade – é recriação, redefinição, realocação. O visual fascinante não vem da alta tecnologia, mas sim da raiz da própria evolução do cinema – cuja base vem dos já quase centenários clássicos expressionistas dos anos 20. 

O que este filme vem dizer é o que o cinema terá sempre as suas próprias ferramentas originais para se reinventar e ser criativo. Menos efeitos especiais, mais imaginação. E esta qualidade não falta nas soluções encontradas para manter a dispersa atenção do espetador atual. Criatividade que, por sinal, não se restringe ao nível visual, mas inclui também o sonoro, como fica demonstrada nas sequências da tourada final: ao som inicial de palmas e num jogo de edição primoroso Pablo Berger cria uma cena extraordinária e inesquecível.


O Melhor: a conceção visual e sonora e a cena da tourada de Blancanieves
O Pior: não consegue evitar ser repetitivo e desinteressante em alguns momentos
 
 
 Roni Nunes
 

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