Para lá do Marãomandam os que lá estão”, diz a velha expressão portuguesa para se referir ao isolamento que a população de Trás-os-Montes viveu durante séculos, gerando uma identidade muito própria, que até se manifestou na língua e tradições populares, onde se incluem rituais pagãos de passagem ao estado adulto, que no filme de Tiago Guedes são peça chave do enredo, unindo passado e presente, causa e consequência.

Já com um currículo de respeito, onde se incluem obras tão dispares como “Coisa Ruim”, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” e “A Herdade”, Tiago Guedes leva-nos ao coração transmontano para contar uma história a dois tempos e que começa com o espancamento de um adolescente, Laureano, durante um ritual extremamente agressivo. É anos depois, com a hierarquia social igualmente bem definida, que encontramos esse jovem, agora adulto, entregue ao rótulo de “maluquinho da aldeia”, digno de ser espezinhado e até agredido pela nova geração. Quando um rapaz aparece morto na aldeia, todas as atenções centram-se nos cães abandonado que por lá vagueiam, mas também em Laureano, que normalmente é quem passeia com os animais.

Drama profundo circunscrito a uma pequena localidade e às suas gentes, onde se focam os privilégios herdados num local isolado com regras próprias, “Restos do Vento” tem como forte handicap a sua previsibilidade, mas ainda assim o guião de Tiago Guedes e Tiago Gomes Rodrigues dá suficiente espessura às personagens centrais do filme, descrevendo uma história de violência física e psicológica, de extrema masculinidade tóxica, que transformaram Laureano num proscrito social. 

E embora autenticidade (que se viu por exemplo em “Alma Viva”) se perca no meio de duas interpretações centrais que parecem deslocadas da região, na retina ficam as presenças de Albano Jerónimo, a preencher o seu Laureano com uma intensa fragilidade mas digna personalidade, e Nuno Lopes a encarnar o macho alfa da região, mas que estranhamente vê-se também ele fragilizado por eventos do passado recente.

E se a relativa previsibilidade do filme esmaga de certa maneira a satisfação final do espectador, Guedes consegue ainda assim criar uma atmosfera de ameaça permanente (onde convém mencionar o trabalho do diretor de fotografia) e com isso fazer uma crítica às comunidades presas em costumes selvagens antiquados, tudo através da história de um pobre diabo que, como diz a certo momento, “é incapaz de fazer o mal”.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
restos-do-vento-para-la-do-marao-mandam-os-que-la-estao“Restos do Vento” tem como forte handicap a sua previsibilidade, mas ainda assim o guião de Tiago Guedes e Tiago Gomes Rodrigues dá suficiente espessura às personagens centrais