O cinema romeno continua a dar cartas no terreno dos festivais internacionais e depois de Radu Jude conquistar Berlim com o seu Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental”, é a vez da escritora e realizadora estreante Alina Grigore [atriz em “Best Intentions” de Adrian Sitaru] conquistar a Concha de Ouro no Festival de San Sebastian e a melhor realização em Bergamo com um filme sobre emancipação perante disfunções familiares que frequentes vezes resultam em atos de pura crueldade e obsessão.

Não é um tema novo no panorama do Novo Cinema Romeno ( que já não é assim tão novo) e até Jude já pisou este território em 2009 com “Everybody in our Family”, um drama sobre um casal separado em profundo conflito depois da mulher recusar que o ex-marido leve a filha de ambos de férias. Mas estamos em 2021 e o sangue novo de Grigore aponta baterias a questões femininas, focando a sua atenção em duas irmãs, Irina e Viki, mas principalmente na primeira (Iona Chitu, memorável), completamente absorvida por uma dinâmica familiar que açambarca a sua atenção em todas as decisões, tudo em nome de um negócio familiar (um resort hoteleiro) que tanto a ajuda a viver como impede de crescer além daquele microcosmo repleto de psicoses carburadas por uma estrutura patriarcal.

Irina quer estudar e sair daquela esfera que consome todo o seu tempo e atenção, e é particularmente abusada física e psicologicamente pelo primo Liviu (Mircea Postelnicu), um homem tóxico em todo o seu sexismo, possessividade e até antissemitismo, cujos impulsos violentos trazem a todas as mulheres da família um grau absoluto de uma doentia opressão. 

E mesmo quando a jovem de 22 anos parte para Bucareste estudar, é sempre pressionada a não seguir uma educação e meramente conduzir o negócio familiar. É já na capital que um evento potencialmente criminal vai revelar-se estranhamente emancipatório. Uma manhã acorda, após uma noite de festa, e percebe que alguém fez sexo com ela durante a noite, quando estava inconsciente. Ela descobre que foi Tudor (Emil Mandanac), um homem casado mais velho de Bucareste, que teve sexo com ela, mas ao invés de seguir um caminho esperado de busca de justiça pela confusa situação (Tudor afirma que ela estava consciente durante o ato sexual), Irina, talvez mais atormentada pelas pressões castradoras familiares, das quais tem urgência em sair, decide aproveitar ao máximo a situação, embarcando num “affair” com o homem como um possível escape para a liberdade. Um “caso amoroso” que culminará com um ato de extrema violência e racismo praticado por Liviu, que vai danificar a pouca conexão familiar que ainda existia de Irina com a sua tradicional (e bem repressiva) família.

Grigore apresenta tudo com a energia da Nova Vaga Romena, muitas vezes de câmara na mão e num jogo de planos que vão desde os close-ups claustrofóbicos e opressores, aos de conjunto que funcionam para provocar uma confusão exacerbada de quem é quem na família (perdemos várias vezes a noção de quem é o primo, tio ou outro), às panorâmicas da região onde vive a família (onde se contempla a paz perante o caos). 

Com isso, a cineasta consegue que o filme tenha sempre um ritmo e uma energia vital numa viagem pedregosa da castração à libertação, mas no meio de toda a algazarra de personagens e ações, quem verdadeiramente brilha não é o filme, mas Iona Chitu, que carrega em si todo o fardo de sacrifício perante uma toxicidade e egoísmo (de Tudor igualmente) que suga toda a sua energia. Mas ela nunca desiste e resiste estoicamente a todas as intromissões de que é alvo, sendo potencialmente uma das personagens femininas mais bem construídas e atuadas em 2021.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
blue-moon-da-castracao-a-libertacao-custe-que-custarQuem verdadeiramente brilha não é o filme, mas Iona Chitu, que carrega em si todo o fardo de sacrifício perante a toxicidade e egoísmo masculino que suga toda a sua energia e atenção