Ney à superfície

Ney Matogrosso é um artista incontornável na música brasileira do séc.XX e foi já alvo de outros documentários (como Olho Nu, que passou na edição de 2013 do doclisboa), Como tal, pode ser difícil fazer um novo que adicione a esta colecção, sem se perder em repetir o que já foi feito até à exaustão. Felipe Nepomuceno lança-se, assim, à aventura em “Ney à Flor da Pele”, procurando novas formas de contar a história deste artista.

O início do filme mostra imagens de arquivo onde se pode ver a repressão da ditadura em que o Brasil viveu durante duas décadas e começa-se a ouvir a música de Ney. Normalmente, a frase costuma ser “ouve-se a música no fundo”, mas, segundo o próprio realizador: “É bem melhor não ser normal”. Isso quer dizer que a voz off que estamos sempre à espera que surja, de tanto vermos documentários, nunca o faz e o que temos é a música e as imagens de arquivo a fazerem o trabalho de mostrarem o que não se diz. O que quer dizer que o âmbito em que o filme pode funcionar melhor é reduzido às pessoas que conhecem a história recente do Brasil, nomeadamente, quem lá vive.

Veja-se o caso das imagens que abrem o filme: o preto e branco e a qualidade sugerem imagens de arquivo de um passado não tão recente, mas qualquer outro contexto está ausente. As entrevistas que são utilizadas também são todas de arquivo, e focam-se mais na famosa persona que Ney sempre utilizou nas suas performances do que nos contextos sócio-políticos. O que não quer dizer que não se possa retirar algo destas mesmas entrevistas, apenas que, para quem não tem o conhecimento, tudo o que é implícito é perdido. Lembra a história do cimento romano, cuja receita se perdeu apenas porque um dos elementos mais importantes era sobejamente conhecido que se referia a água do mar, portanto bastava escrever “adicionar água”, da mesma maneira que, quando falamos em ovos parece absurdo adicionar o “de galinha”.

Acaba por ser uma sequência de videoclipes, com algumas entrevistas e imagens de arquivo e uma incompreensão básica que as outras pessoas não sabem o que nós sabemos, portanto, às vezes, é importante dar o contexto ou então manter o objecto em circulação apenas nos círculos em que pode ser compreendido. A não ser que o título seja uma declaração de intenções e, assim, o realizador conseguiu fazer o que se propôs.

Pontuação Geral
João Miranda
ney-a-superficieUma sequência de videoclipes, com algumas entrevistas e imagens de arquivo e uma incompreensão básica que as outras pessoas não sabem o que nós sabemos