Quinta-feira, 2 Maio

Grand Jeté: obra de contornos incestuosos abana Berlinale

Está aqui o filme-sensação, capaz de provocar o choque, da Berlinale. A sua chegada já fez um pequeno estrondo, mas as suas réplicas vão-se certamente sentir noutros certames, não apenas pela temática incestuosa, mas principalmente pela destreza e bom gosto da lente da alemã Isabelle Stever na apresentação de carnalidade e ternura na relação entre uma mãe e um filho: ela, uma antiga bailarina (daí o título, que evoca o grande salto) agora entregue ao ensino; ele, o filho rejeitado no passado por causa da carreira na dança da mãe e que agora se reaproxima dela.

© Martin Valentin Menke

Para mim não é um tema chocante”, disse-nos a cineasta no dia de estreia do seu filme na secção Panorama do festival. “Esta história teve um grande impacto e provocou irritação em mim, pois não conseguia entender os sentimentos, o que me impeliu a fazer um filme sobre o tema

Baseado na obra de Anke Stelling, “Grand Jeté” desafia convenções, não apenas pelo seu enredo, mas nos próprios bastidores da produção, bastante limitada devido à falta de financiamento. “Quando tentei financiar o filme, aí entendi que o tema provocava uma forte rejeição, mas também um forte entusiasmo. Só consegui obter ¼ da verba que pretendia por causa dessas rejeições, por isso filmei todo o projeto com uma equipa muito jovem. Na verdade, essa rejeição acabou por ser uma das razões porque tinha de fazer o filme”, explicou a cineasta. “Tudo começou com uma ideia de uma atriz em contar uma história clássica de amor entre mãe e filho. Isto tem um núcleo subversivo e deixava explícita uma transgressão moral. A forma frontal e sem juízos de valor que o texto detinha leva-nos logo para outros limites e fronteiras. Se lhe contarem a história do filme, nunca a associaria imediatamente a uma mãe e filho. Existe também uma concentração excessiva de atenção no corpo, o que nos leva a outros limites. Não é um filme sobre ultrapassar os limites morais, nem uma espécie de desculpa a qualquer forma comportamento da protagonista. Ele abre espaço para as nossas virtudes e limites, provocando a reflexão e causando mesmo medo. Algo indescritível. (…) Novamente, quando recusaram o financiamento surgiu em mim uma raiva, mas também o desejo de mostrar ao mundo aquilo que tanto temiam (…) temos atualmente uma grande polarização da sociedade, e este filme luta contra qualquer limitação. É um filme que abre um espaço para pensarmos em coisas que nos são estranhas”.

Corpos…

Um dos focos de atenção do filme, com ligação direta ao crescendo de tensão entre mãe e filho é o “estado” dos seus corpos: o dela em degradação, que impôs-lhe o abandonar da carreira de bailarina; e o dele em transição para a idade adulta, no auge, mas ainda não totalmente desenvolvido. Para Stever: “De certa maneira é um filme sobre o corpo da Nadia e como ela usou o seu corpo como uma ferramenta de comunicação com o mundo. Este corpo, que era essencial para chamar a atenção de quem a via bailar, agora está degradação. Envelheceu, está doente e não funciona como ela queria. Ela envolve-se sexualmente com o filho, cujo corpo ainda é jovem. Esse reaproximar dos dois, esta relação que se restabelece, manifesta-se fisicamente. E eles libertam-se nesse encontro. Fazem de uma forma estranha algo que não experienciaram. De alguma maneira, também podemos dizer que é uma história de esperança. E de vida…como vemos no fim. (…) A maternidade é algo muito ambivalente”.

Sexo e ternura…

Carregado de cenas sexuais, filmadas com elegância, sofisticação e erotismo, mas nunca excessivamente gráficas ou pornográficas, Stever coloca também no espectador a ambiguidade, entre a excitação e a estupefação: “Era importante para mim que as cenas de sexo do filme não fossem românticas. Estão lá e são de alguma maneira sensuais, mas nunca pornográficas. Houve uma cena que retirei porque associada à seguinte tornaria esta de alguma forma em pornografia. Quero dizer com isto que a forma como montas as sequências é muito importante, que impacto elas.”

Um Olhar no Feminino? (Female Gaze?)

Não tenho a certeza, mas creio que é um olhar individual. Os géneros agora são cada vez mais flexíveis e diversos e um dia podemos falar de um tipo de olhar, mas podem existir olhares mais distantes entre duas mulheres que entre um homem e uma mulher.

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