Sábado, 27 Abril

«36 Quai des Orfèvres» (36 Anti-Corrupção) por Jorge Pereira

 
E assim os inimigos do homem serão os seus familiares”, Mateus 10:36
  
Há vários meses, Paris encontra-se assolada por um gang que tem vindo a realizar, impunemente, violentos assaltos à mão armada a carrinhas blindadas de transporte de valores. O comissário Robert Mancini (André Dussollier) pressiona os seus dois tenentes, Léo Vrinks (Daniel Auteuil), líder da Brigada de Repressão ao Banditismo, e Denis Klein (Gérard Depardieu), chefe da Brigada de Pesquisa e Intervenção, a encontrar depressa os responsáveis, e como recompensa, quem conseguir tomará o lugar de comissário. 
 
36 quai des orfèvres” é o novo trabalho do cineasta francês Olivier Marchal, o responsável por “Gangsters”. Eis um policial de forte componente política e dramática, onde existem variadíssimos jogos de poder e ninguém é o polícia puro que desejava ser após a saída da academia. Vrinks e Klein são a representação disso mesmo. Antes amigos, agora rivais e opostos que procuram, cada um à sua maneira, conseguir o melhor para si e para a polícia. As suas vidas seguiram rumos diferentes, a partir do momento em que cada um deles integrou em equipas diferentes de combate ao crime. 
 
No fundo estamos perante uma obra com reminiscências a “Heat”, “Platoon” e “Infernal Affairs”, onde a juntar à luta que travam contra um inimigo comum – os criminosos – existem guerrilhas internas e onde as relações de poder são a chave de um perigoso jogo. Recorda-se que em “Platoon” tínhamos Barnes (Tom Berenguer) e Elias (Willem Dafoe) a lutar contra os vietcongs. Mas a sua relação ia para além disso, e o poder perante os restantes soldados estava também em jogo. O mesmo sucede em “Heat”, onde Al Pacino e Robert DeNiro são presenças marcantes. 
 
Nesse sentido, não é assim estranha a escolha de atores por parte de Olivier Marchal. Depardieu e Auteuil são grandes nomes do cinema francês e a sua “química negativa” é perfeita. É assim que, entre esquemas ilegais, e uma descida ao inferno das personagens, o filme vai avançando, sempre coexistindo com uma sensação de injustiça pelo ar. 
 
Olivier Marchal, que já havia polícia na vida real, consegue assim criar uma obra de forte teor realista, estando muito bem conseguido nesse ponto, mas longe do perfeito. Aliás, se formos analisar profundamente, verificamos que muito do que surge no nosso ecrã é inspirado em factos reais. Como exemplo dou o cerco aos armazéns onde o gang das “vans” se refugia. Essa situação, que culminou dramaticamente com a morte de um polícia, é inspirada num facto real que ocorreu nos anos 80 durante uma operação para deter um grupo de assalto a um banco. 
 
 
 
 
Há porém outras situações que me parecem demasiado impostas, como o próprio final. Ainda assim, o filme não se restringe aos jogos de poder policiais, embarcando a espaços para a vida íntima de cada uma das personagens principais. Vrinks é um homem sem grande sede de poder, que no entanto executa o seu trabalho de forma pouco correta, derradeiramente caindo naquilo que condenava. Cuja uma dessas ações é mesmo mais semelhante à praticada por vigilantes. 
 
É assim que Olivier Marchal nos consegue fazer duvidar sobre cada uma das facções policiais, ficando o espectador indeciso sobre o carácter das personagens. Já Klein é um homem que ambiciona o poder, tendo sangue muito mais quente e capaz de fazer justiça pelas suas próprias mãos, de forma nada legal e pouco ética. E é neste emaranhado de ações e emoções que nos vamos deliciando, com um dos melhores dramas policiais dos últimos anos. Não foi à toa que o filme foi nomeado para 8 Cesars, o prémio máximo do cinema gaulês. Com genica, inteligência e emoção, “36 quai des orfèvres” é um filme que merece uma atenção especial.
 

Jorge Pereira

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