Sexta-feira, 26 Abril

«Haemoo» por Jorge Pereira

A primeira metade de Haemoo é bastante banal. Ao adaptar uma peça que se inspirou num caso real de uma tragédia ocorrida num barco pesqueiro que transportava imigrantes ilegais, o realizador Shim Sung-bo (co-escitor de Memories of Murder de Bong Joon-ho) vai buscar elementos muito comuns e recorrentes neste género de filmes.

Primeiro apresenta as nossas personagens entre a tragédia e o humor, categorizando-as pelas suas atitudes, não faltando o durão, o tímido apaixonado, o mulherengo e o moralmente elevado “nerd” das máquinas (o engenheiro). Todos eles são comandados implacavelmente por um pescador ríspido à moda antiga, daqueles que não aceitam as novas tecnologias e são incapazes de largar a sua embarcação (e que dão mais atenção ao barco que à esposa).

Após esta introdução das personagens, entramos no campo das suas motivações. No pano de fundo temos uma situação económica frágil, não só daqueles que seguimos mais detalhadamente, mas de toda a Coreia, abalada pela violenta crise económica na região no final da década de 1990 e que levou ao extermínio de muitos empregos e à requalificação obrigatória dos trabalhadores (parece que estamos a falar de Portugal em 2009).

Colocando os nossos peões em dificuldades financeiras, abre-se caminho para a atividade ilegal como necessidade de sobrevivência. Tudo muda com os imigrantes ilegais a bordo e os eventos que se lhe seguem. Aí o filme muda radicalmente a abordagem, aumentando em grande escala as ambiguidades pessoais. Entramos então no reino do macabro e num estudo de personagens pressionadas pela realidade social à sua volta, pelo espaço confinado em que estão, pela tragédia ocorrida, mas também por motivações hedonistas, onde não falta uma boa dose de egoísmo e ganância. Claro que por aqui não falta igualmente uma história de amor, servida como motor que desencadeia os eventos no último terço, aqueles que representam o melhor que o filme tem para nos dar.

Uma nota final para a grande prestação de Kim Yun-seok (Chaser, The Thieves), incapaz de deixar afundar o símbolo de tudo o que tem na vida: o seu barco, e para o dedo indelével de Bong Joon-ho (Snowpiercer, The Host), que apesar de aqui ser só o produtor sente-se na forma como o filme dá destaque a questões sociais e se afasta da limitada caracterização entre bons e maus.

A ver…

O Melhor: A partir da tragédia o filme transfigura-se e tem os seus melhores momentos
O Pior: A banalidade da primeira parte do filme. Os últimos 2 minutos eram escusados.


Jorge Pereira

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