Sexta-feira, 26 Abril

«La Demora» por Roni Nunes

Bastante fiel ao seu título, esta é uma passagem tardia por um grande ecrã português de La Demora – que surge na Mostra da América Latina quase três anos depois de inaugurar uma sólida carreira no circuito alternativo com dois prémios no Festival de Berlim de 2012. De qualquer forma, o que importa é que o filme continua a ser um retrato preciso e comovente da velhice.

A primeira parte da sua engrenagem é o quotidiano de Maria (Roxana Blanco). Com uma vida difícil, ela sustenta sozinha e com parcos vencimentos os seus três filhos, que dormem todos no único quarto da casa. Mas há mais: o pai, Augustín (Carlos Vallarino) que dorme na sala, começa a apresentar os primeiros sinais de Alzheimer. Sem a ajuda do Estado e da irmã e com um estado de espírito cada vez mais fragilizado, ela tem a “brilhante” ideia de abandoná-lo num parque e telefonar para os serviços sociais para o ir recolher. Assim, poderia conseguir uma vaga num abrigo estatal que, por meios normais, seria impossível.

Apesar da crueldade absoluta da sua ação e das mentiras aparentemente indiferentes que diz aos filhos, começa a tornar-se evidente que este é um daqueles atos com as quais dificilmente ela poderia lidar bem. Depois de começar a constatar que, afinal, algo parece ter corrido mal nos seus planos, o que se segue é uma tentativa desesperada de corrigir um erro que pode ter consequências fatais.

Se o ato central funciona como uma base ao redor da qual orbitam todas as outras facetas da história, vale dizer que o argumento de Laura Santullo, baseado num conto da sua autoria, encaixa as devidas peças com a perfeição de um puzzle. Se é impossível ficar indiferente a este epicentro, ele surge, no entanto, ligado a uma série de pequenas condicionantes para torná-lo credível e, em última instância, compor o todo de uma história plena de emotividade.

Neste sentido, o maior achado de Rodrigo Plá é o seu próprio idoso, que não se restringe ao trabalho de Vallarino mas a diálogos cruciais nos lugares certos. Há momentos particularmente comoventes quando, no meio da névoa da sua doença, ele profere justificações absolutamente lógicas para a demora da sua filha em vir busca-lo. O frio, por sua vez, constitui um elemento eficazmente usado pelo cineasta para criar um ambiente de extrema desolação e crescente desespero.

Apesar disto, o realizador nega-se a retratar, numa abordagem que bem facilmente se encontraria na Europa ou nos Estados Unidos, um mundo materialista e indiferente à sorte de quem quer que seja. Existe uma grande solidariedade no interior do filme, manifesta em várias personagens (incluindo um sem-abrigo que oferece ajuda a Augustín) e mesmo a justificação para o que faz Maria tem uma origem mais de ordem prática do que filosófica/existencial. O que não significa que não fique bastante óbvio que o Ocidente, regido pelas leis do materialismo utilitarista, não sabe o que fazer com os seus idosos.

O MELHOR: Belo, comovente e nada piegas
O PIOR: alguma falta de ambiguidade à personagem principal, que em algumas momentos merecia uma composição menos rígida


Roni Nunes

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