Sábado, 27 Abril

«Il Segreto» por João Miranda

 

A infância torna-se, com a idade, um daqueles lugares míticos, onde os dias eram eternos e tudo era feito com uma seriedade e uma leveza que nos parecem estranhas (e até antitéticas) anos mais tarde. Il Segreto é sobre uma dessas zonas míticas, seguindo grupos de miúdos em Nápoles que se dedicam a apanhar árvores de Natal deitadas foras no final das festas. Bairros diferentes dedicam-se a esta atividade, bandos de miúdos a correrem pelas ruas, a gritarem, a carregar árvores, sérios, divertidos, por vezes frágeis, a maior parte das vezes a exibirem uma valentia que nem sempre existe. A competição entre bairros pode ser feroz, a tentarem apanhar as árvores antes dos outros, nos bairros que ficam nos limites das suas zonas, por vezes mesmo a procurarem o “Segredo”, o local onde estão escondidas as árvores já apanhadas, e a roubarem ou queimarem o depósito.

Há filmes que mais vale não se saber nada sobre eles quando se entra na sala. Il Segreto é um desses filmes. A urgência e o companheirismo, tão bem captados pela câmera, envolvem-nos e transportam-nos na azáfama de um fim que nem sempre é claro e que vale mesmo a pena descobrir na sala. Com a câmera ao nível das crianças, os adultos aparecem quase sempre cortados pelo enquadramento. Este é um mundo de crianças, onde toda a atividade nos parece estranha e, ao mesmo tempo, tão familiar. Todas as regras se vão tornando óbvias, todas as ameaças e todos os medos.

O filme tem uma construção em crescendo, com vários obstáculos a surgirem e quase a porem em questão todo o empreendimento, mas acabando num final de uma intensidade épica, um daqueles momentos em que a infância ameaça engolir a cidade e reclamar todos os adultos para ela, no fascínio de um ritual antigo que precede qualquer religião escrita.

O Melhor: A forma como a câmera consegue estar dentro do grupo, sem ser paternalista.
O Pior: As cenas noturnas nem sempre se percebem.


João Miranda 

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