Quinta-feira, 2 Maio

Entrevista a Antonio Campos, realizador de «Simon Killer»

“Gozavam comigo por ser caloiro”

Explorámos a sua costela brasileira e percebemos como existe ainda um certo incómodo inexplorado que o fará sentir uma certa estranheza por sentir-se um pouco estranho numa terra estranha. Algo que se nota na angustia das suas personagens. Desde a jovem que decide vender a sua virgindade no Ebay e que cedeu a Antonio os seus filmes, e que deu a curta Buy it Now, ou o adolescente que decide suicidar-se à mesa do jantar de família, em The Last 15 – ambos premiados em Cannes. Por certo, esboços do que viria a ser Depois das Aulas /Afterschool. Agora em Simon Killer, Sean Durkin parece vir do mesmo trauma da personagem de Ezra Miller em Afterschool. É todo esse passado que não conhecemos agora que parece precipitar este vulcão prestes a entrar em erupção. Falámos com Antonio Campos durante o Indie Lisboa, onde Simon Killer concorreu para o Grande Prémio de longas internacionais.

Ele que estará no próximo verão do festival de Karlovy Vary, que se realiza na República Checa, de 28 de junho a 6 de julho, para um showcase retrospetivo com a Borderline Films, certamente na companhia de Sean Durkin, Josh Monds e outros elementos.

Na sua filmografia detetamos um lado negro das personagens. É algo que faz de forma inconsciente?

Não é uma decisão consciente. De todo. Mas é estranho perceber essa consistência. Que não é planeada. A única coisa que eu pensei no caso do Simon é que se trata de uma personagem que vem do mesmo universo que os miúdos de Afterschool. Pensei em fazer uma ligação.

Também nas suas curtas, diria..

Sim, sim. Parece que vêm todos do mesmo universo.

Se bem me lembro de uma conversa anterior, você tem também, de certa forma, uma ligação a esse tipo de escolas. Ou estarei errado?

Sim, acho que todos vêm dessa escola. No meu caso, a minha adolescência foi bastante diferente. Quando comecei gozavam comigo por ser caloiro. Por isso, eu tentava compensar em tudo do resto. Estudava muito e não tinha muito amigos. O que foi, de certa forma, traumatizante para mim.

Ainda numa fazer pré-cinema?…

Sim, antes de começar a fazer cinema. Só comecei a pensar na ideia em fazer filmes no liceu. Foi quando comecei a escrever histórias que me aconteciam a mim como se tivesse acontecido a uma personagem que tivesse criado. Foi aí que notei uma certa hipocrisia e o funcionamento do sistema, o funcionamento das classes com algum dinheiro. Isso afetou-me um pouco.

Creio que é o seu pai que é brasileiro…

Sim. E a minha mãe ítalo-americana.

Até que ponto esse seu passado o ajudaria criar essa estranheza?

Sim, eu tinha muito contacto com a cultura brasileira. A música, a comida, a atitude dos pais, era muito mais aberta, com mais diálogo. Mas acho que enquanto cineasta não lidei ainda com as questões da minha identidade. De não ser americano, nem brasileiro. E de estar em casa, em Nova Iorque. O mais perto que lidei com esse lado cultural foi através da música, que era toda brasileira.

Ainda ouve música brasileira? O novo som?

Não, Caetano, Jorge Ben…

Tropicália portanto.

Sim, muito tropicália. Cresci com um CD do David Byrne, a compilação Beleza Tropical, com a melhor tropicália. O meu pai estava sempre a ouvi-lo.

Vamos então a Simon Killer. Logo o título é bastante intrigante. Como foi que surgiu este título?

Acho que veio da minha infância, quando eu dizia um nome seguido do nome de uma coisa. Algo que estava sempre na minha cabeça. Mas o Simon veio do nome Simenon. É esta coisa que ele é.

Não foi inspirado pela sua viagem a França?

Não, o nome estava lá desde o início. E o filme teria de acontecer em Paris. Acho que Londres seria diferente. E em Nova Iorque nunca poderia ser. Ou melhor, poderia, mas com uma dinâmica muito diferente.

E o lado ‘noir’ do Simenon já lá estava…

Claro. O Sinemon estava sempre lá. Bem como o Jim Thompson, de The Killer Inside Me.

Simon Killer

E claro que o Brady estava também na sua mente...

Sim, claro. Como Paris e um livro chamado Tropical Moon (Georges Simenon) sobre um homem que se envolve com uma viúva.

Essa relação de liberdade que permitiu a Brady (Corbet) e Mati (Diop) faz parte da sua forma de trabalho com os atores?

Não, normalmente não.

Mas neste caso fazia sentido.

Sim. Mas não conhecia a Mati. Conheci-a- em Paris através de um co-produtor que a sugeriu. E já tinha visto 35 Shots of Rum. Parecia perfeita.

Foram a muitos clubes noturnos? Exploraram esse lado da noite parisiense?

Sim, fomos clubes de mulheres, em Pigalle.

Até que ponto o seu trabalho faz parte da colaboração com a Borderline Films?

Sim, falamos sobre tudo. Partilhamos notas, durante a escritura do guião e montagem. E produção claro. No lado criativo, normalmente não nos atravessamos no caminho uns dos outros.

Será a Borderline uma forma de manter a vossa individualidade, diante de companhias mais poderosas?

Mas nós temos um acordo com a Fox. Isto foi feito antes. Mas não vejo receio de trabalhar com uma companhia maior. Temos confiança no que fazemos. Mas conseguimos ter um diálogo criativo. A não ser que seja um filme que não tenhamos escrito. Aí teremos de lutar pelo que queremos.

Será que estou a sentir aqui uma ponta de um novo projeto?

Não, não. Mas sim temos algo alinhavado com a Fox Searchlight. Mas não é esse tipo de filme. Tem um orçamento moderado, o que é sempre relativo. O que fizer a seguir será sempre diferente.

Mas tem algum projeto concreto para avançar em breve?

Sim, vou fazer um novo filme. É baseado num documentário, um julgamento de homicídio no Sul dos Estados Unidos, na Carolina do Norte. Acho que é uma personagem que cabe dentro daquilo que já fiz.

E o Sean está a preparar também algo novo?

O Sean está a acabar uma mini-série. Em Londres, chamada Southcliffe. Depois regressará e, espero eu, faremos um filme juntos.

Mas sei que estarão juntos no festival de Karlovy Vary para a apresentação de um showcase sobre a Borderine…

Sim, iremos o festival todo. Bem como muitos dos nossos atores. Acho que vai ser divertido. Já lá esteve?

Sim, é um festival muito divertido, muito jovem e animado. É como o Indie Lisboa, mas com mais movimento.

Sim, estou entusiasmado por ir. Vai ser divertido.

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