Sexta-feira, 26 Abril

Nuno Bernardo: “Em ‘Gabriel’ procurei filmar o boxe de uma forma crua, mas real.”

Nuno Bernardo pode não ter tido uma paixão imediata pelo boxe, mas o Cinema sim, consolidando o desporto como um dos seus mais eficazes “settings” narrativos. Não falamos somente de Rocky e o Touro  Enraivecido, dois exemplares puramente americanos que hoje se assumem como principais influências de produções de género, mas a realidade portuguesa que já abraçou este mesmo Universo. 
Passando pelo derrotista Belarmino de Fernando Lopes, uma das obras cruciais do chamado Cinema Novo, ou do documental Bobby Cassidy: Counterpuncher de Bruno De Almeida, Gabriel, a história de um jovem cabo-verdiano que durante a sua busca pelo pai insere-se num mundo marginal do pugilismo, encontra espaço no nosso Cinema.. 
É um combate que o realizador, produtor e argumentista parece indiciar. Desde o seu retrato social até ao legado deste antigo romance entre o Cinema e o Boxe, Nuno Bernardo falou com o C7nema sobre o projeto da beActive, do futuro e de um talento chamado Igor Regalla, também conhecido como o nosso Gabriel. 
 

Nos Encontros do Cinema Português disse que nunca tinha gostado de boxe. Como se interessou por esse desporto – creio que foi em Dublin que lhe contaram a história do desporto – e como é que surgiu a ideia para este filme?

Em 2014 estava em Dublin realizar um documentário sobre Stand-Up Comedy e, para um dos segmentos desse documentário, decidiu-se gravar um pequeno combate de boxe, isto porque um dos comediantes era um lutador amador. Esta experiência – de filmar boxe – foi amor à primeira vista. Adorei conhecer o meio, as pessoas e acima de tudo os códigos de valor e ética que regem este desporto. Depois, em Portugal, fui contactando frequentemente com esta comunidade, assistindo a galas e combates, o que fizeram crescer este desejo de fazer um filme sobre boxe.

Porquê a escolha do bairro dos Olivais como cenário desta história?

Eu procurava um bairro típico de Lisboa, como contraponto a esta Lisboa mais cosmopolita, aberta ao turismo e que, por esse motivo, está perder um pouco da sua identidade. Procurava um local onde as pessoas ainda se cruzam na rua e dizem bom dia, ainda se conhecem e ainda tem aquela vida de bairro tão típica da capital. Os Olivais ainda mantém essas características. Além disso juntam, no mesmo espaço, diferentes culturas, estratos sociais e etnias, algo que criou o ambiente ideal para contar a história de Gabriel.

Como funcionou o casting até chegar a Igor Regalla? E aos outros elementos?

Existiu um trabalho – em ligação com a produtora Sara Moita – de identificar atores Portugueses que se enquadrassem nas personagens criadas. Na altura vimos vários showreels, ficção nacional e peças de teatro. A escolha do Igor vem de uma peça que vimos no Teatro São Luiz. A Ana Marta da sua carreira de um filme que tinha visto umas semanas antes em que ela participa. O José Condessa pela paixão que demonstrou no projeto quando reunimos com ele.

Como é o seu trabalho na direção dos atores. É alguém que dá espaço para os atores moldarem de certa maneira as personagens ou pede-lhes que sigam estritamente o guião?

Este trabalho foi feito a meias com a atriz Karla Muga. No mês anterior ao início da rodagem foi realizado um trabalho diário de ensaios e preparação das personagens coordenado pela Karla, onde os atores puderam construir a sua própria versão da personagem tendo em conta aquilo que era a minha visão da história e da curva narrativa de cada uma das personagens. Depois, durante as filmagens tentou-se implementar esse trabalho realizado na véspera, adaptando aqui e ali, à realidade da rodagem. E aqui os atores tiveram liberdade para imporem a sua marca e a sua visão da personagem.

Existe uma longa tradição cinematográfica para com o boxe. Pelos vistos, é dos desportos mais romantizados no grande ecrã (Rocky, Touro Enraivecido, The Fighter). Em Portugal, como é sabido, um dos filmes mais fortes da nossa cinematografia remete-nos ao mundo do pugilismo: Belarmino de Fernando Lopes. Questiono quais foram as suas influências nesse ramo para o retrato da modalidade neste filme e como foram filmadas as ditas lutas?

Apesar de não ser um apaixonado pelo Boxe, sempre tive um interesse especial por filmes sobre este desporto. Os filmes Rocky fizeram parte da minha infância e o Touro Enraivecido é um dos meus filmes favoritos. Mas as lutas de Gabriel, em especial a forma de as filmar, seguiram um padrão diferente. O meu foco foi sempre criar uma luta realista, que represente um pouco o mundo do boxe amador como o descobri em Portugal. Ou seja, não estamos a falar de um combate de 12 assaltos, realizado em Las Vegas, com 10.000 espetadores onde tudo é muito estilizado. Em Gabriel procurei filmar o boxe de uma forma crua, mas real.

O Nuno, enquanto produtor, tem fortemente apostado na área de entretenimento nas diferentes plataformas. Gostaria que falasse sobre o trabalho que a beActive teve desde então e o futuro que reserva à  sua produtora?

A beActive foi criada em 2003 com o objetivo de ser uma empresa contadora de histórias, independente do meio. Já contamos histórias na Web, nos telemóveis, na TV, em Livro, e agora também em Cinema. O grande objetivo é chegar às pessoas nos meios que elas usam no seu dia-a-dia. O nosso trabalho diário passa por continuar a ser relevantes, tentando contar histórias universais que toquem os nossos espetadores e continuar a inovar na forma como essas histórias chegam ao nosso público.

Esta foi a sua primeira longa-metragem dirigida, quais foram os desafios para transitar para tal cargo e formato?

No passado já tinha realizado ficção televisiva, documentários, curtas-metragens (a última, The Family Way já venceu vários prémios e foi exibida em mais de 30 festivais) e videoclipes. Mas este trabalho foi bastante mais exigente, não só pelo formato – cinema – como pela escala desta produção. O grande desafio foi encontrar os colaboradores certos para conseguir levar este projeto a bom porto, desde a direção de fotografia do Pedro Negrão até à Coreografia das cenas de luta, brilhantemente executada pelo David Chan.

Tem novos projetos, como realizador ou produtor, que possa anunciar?

O nosso próximo projeto é um filme a rodar em Tomar já este verão que retrata a vida de um colégio interno muito peculiar – O Colégio do Templo – onde jovens com poderes sobrenaturais se juntam para aprenderem a lidar com a descriminação e o olhar de uma sociedade que sempre rejeita quem é diferente.

Nos Encontros do Cinema Português no ano passado, assistimos à divulgação de várias obras dos mais variados géneros. Acha que o cinema português está no bom caminho para ultrapassar o estigma perante o público português? Pergunto isto porque em 2018 apenas 1,9% do público de cinema em Portugal viu filmes nacionais.

No ano passado estrearam, nas salas portuguesas, 39 filmes de longa-metragem, o que demonstra o dinamismo do setor e a multiplicidade de novas vozes que estão a surgir. A diversidade é um ponto de partida para atrair novos públicos para o cinema nacional. Por isso, espero que já este ano que os Portugueses façam as pazes com o cinema Português e acorram às salas para ver o que de melhor cá se faz. Os resultados destes primeiros meses do ano são bastante positivos, por isso estou certo que em 2019 essa percentagem vai crescer significativamente.

Como vê a chegada das plataformas de streaming ao mercado e se acha que existe futuro para cineastas como o Nuno em terem novos projetos exclusivamente para elas?

Um dos nossos filmes anteriores – Beat Girl – estreou nos E.U.A. exclusivamente na plataforma Hulu, por isso vejo com bons olhos a entrada destas plataformas no mercado português desde que comecem a produzir localmente, como já o fazem em outras geografias. Se não fizerem, espero que se repense a lei da Televisão e Audiovisual para que tal seja obrigatório (como já o é em muitos outros países).

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