Sábado, 27 Abril

Doclisboa 2014: entrevista com Daniel Hui

O realizador singapurense Daniel Hui, vencedor do Prémio Revelação na passada edição do Doclisboa com Eclipses, regressa ao prestigiado festival de Lisboa para apresentar o seu novo filme, Snakeskin, uma viagem experimental e inventiva à História social de Singapura. Provocação? Crítica? Hui revelou em conversa com o C7nema a sua intenção nesta sua nova obra.

Como surgiu Snakeskin? De onde veio a ideia? Como a gerou?

Originalmente queria continuar o meu filme anterior [Eclipses], voltar a fazer um filme sobre o meu avô, centrando no que ele pensava acerca do seu país, nas suas memórias e o valor destas mesmas. Queria também demonstrar o que sentia acerca de Singapura e abordar algo que ninguém ousava falar.

Então é um filme sobre a busca de identidade de um país?

Poderemos dizer que sim, mas abordar principalmente mais a minha busca e com isso a identidade de Singapura.

Segundo Snakeskin, a História da Singapura é baseada e formada por mitos. Tentou provocar alguém com esta abordagem?

Provocação? Eu penso que existe um mito sobre isso, nada de provocativo. A verdade é que contam-nos uma história e querem que nós acreditemos nessa mesma versão. Com o passar dos anos a própria História altera-se, então considero que tudo é um mito. Querem que nós aceitemos uma verdade sem questionar. Voltando ao assunto inicial, não achei que fosse provocação, eu não queria ser provocativo.

Então a própria História da Singapura é um embuste?

Não sei se diria isso, diria antes que existe mais que uma verdade, não apenas uma.

Você não sugere em Snakeskin queimar o livro de História Moderna da Singapura? Pelo menos existe uma cena que evidencia isso. Será outra “provocação”?

Quanto à cena do fogo, essa fogueira , é como fosse o tempo e o tempo consome tudo. Não apenas a História, mas tudo, e as mudanças providenciadas por essas mesmas chamas poderão ser boas ou não. Era isto que queria transmitir. Mas quanto a provocação, diria antes metafórico.

Em Snakeskin você utiliza a ficção cientifica como uma arma de crítica? Para além disso, você gosta de ficção cientifica?

Sim, gosto de ficção cientifica. Mas essa vertente no filme foi utilizada na questão de como aceitamos o passado. OcCinema muitas vezes remete-nos ao passado, assim como envolve-se com o presente e com isso ele esboça as metamorfoses. Tentei aqui desvanecer a distância entre a ficção cientifica e o documentário.

O que poderá dizer o que é ficção ou realidade em Snakeskin?

Não é algo claro perceptível de distinguir. Acredito que tudo é ficção e o meu ponto é questionar o que é verdade e o que não é – e assim diferencia-los. No filme, penso que a ficção, na dita palavra, concentra-se nas perfomances. Contudo as histórias que demonstro são verdadeiras. Mas gosto de pensar que a própria verdade é uma ficção.

E as personagens são reais?

São reais, excepto o “rapaz da maquina do tempo” [risos] .

O que pode dizer sobre o seu próximo filme, Animal Spirits?

Que não está completo em termos económicos, houve alguns atrasos.

Em 2013 você venceu o Prémio de Revelação no Doclisboa com Eclipses. Essa mesma distinção alterou de alguma forma a sua carreira?

Mudou bastante, abriu imensas portas, não falo apenas de carreira, mas até em sistema de criação. Mudou a minha vida de certa forma.

Considera-se um autor de documentários? Ficaria residido somente a esse género?

Não tenho a certeza. Quero dizer, não sou um autor de género e penso que talvez não irei limitar-me ao documentário. Eu quero fazer imensas coisas e bem diferentes. Bem, talvez experimente a pura ficção.

Em que me momento da sua vida é que decidiu que queria fazer cinema?

No exército! Eu estava deprimido e queria fazer algo diferente.

Exército? Você tinha alguma patente no exército singapurense? Como funciona as forças armadas em Singapura?

Não, era apenas um soldado. Em Singapura é obrigatório juntar-mos ao exército, não existe escolha. Todo os jovens de 18 anos devem ir para a tropa durante dois anos e depois apresentar-se de dois em dois. Eu tenho esquivado desse sistema, porque simplesmente tenho conseguido pagar uma soldada (= pagamento).

Acredita na causa das forças armadas singapurenses?

Não acredito nisso. Aliás gostaria de fazer um filme sobre o exercito, mas … penso que isso nunca irá acontecer. E, claro, iria me meter em problemas. Revolta-me saber,por exemplo, que o governo gasta imenso dinheiro em filmes propagandistas, principalmente o do exército, e que não apoia outro tipo de produções cinematográficas.

Existe complicações em fazer filmes na Singapura?

Sim, existe. Sempre que se faz um filme este deve ser avaliado pela censura.

Snakeskin conseguiu estrear nos cinemas de Singapura?

Não, eu queria, mas é difícil pelas razões claras.

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