Terça-feira, 19 Março

«How to Talk to Girls at Parties» (Como Falar com Raparigas) por Jorge Pereira

Não se pode acusar John Cameron Mitchell de falta de arrojo na busca de novos projetos, pois depois do polémico Shortbus, o cineasta embarcou no intenso drama de um casal que tenta a todo o custo ultrapassar a trágica perda do seu único filho (Rabbit Hole).

Agora, Mitchell pega numa comédia de certa forma autobiográfica entre Punks e Aliens, nunca abandonado o seu cuidado estético (seja minimalista ou excêntrico) e personagens em fuga à previsibilidade (na comédia ou drama) e lugares comuns.

Aqui, baseado numa curta história de Neil Gaiman, estamos no Reino Unido, no final dos anos 70, não só num momento de perfeita ascensão da cultura punk como mecanismo de rebeldia social e política, mas como forma – ou objeto – artístico que inspirou as artes para além da música. Mais que uma sonoridade, o punk era uma atitude, coisa que não falta aos nossos protagonistas e parceiros de cena, embora Mitchell entregue mais um olhar Pop sobre o Punk, do que uma verdadeira subversão do-it-yourself repleta de sarcasmo niilista.

Os primeiros momentos dão logo o mote ao som dos Damned, uma rebelião jovem contra a institucionalização da vida num regime monarca e extremamente conservador. Os putos ouvem música “de berros”, vão a festas, concertos, escrevem fanzines, e passam a idade das decisões em busca de uma promiscuidade e liberdade sexual pós-hippie, enquanto lidam com as suas inseguranças trespassadas pelos mais velhos e por uma sociedade padronizada do “faz o teu trabalho” e vive uma vida “normal”.

É algures por aqui que o nosso protagonista, En (Alex Sharp), vai se cruzar com um grupo que se denomina a Colónia, apaixonando-se no processo por Zan (Elle Fanning). O duo oferece momentos de candura e química indesmentível, evoluindo até um orgásmico momento durante uma performance musical – com uma viagem em modo de trip alucinogénica pelo meio , e finalizando a sua interação num pranto de desilusão adolescente que inspira a criatividade .

Pode haver aqui uma mensagem de subordinação dos mais jovens aos mais velhos e a uma sociedade que os engole e tira o livre arbítrio, pode ser apenas uma história de amor interestelar de diferentes espécies, ou um conto delirante que retrata a chegada do punk como uma espécie de contaminação alienígena, mas a verdade é que no meio da algazarra de eventos de construção coming-of-age, o filme dispersa-se ao passar de situação em situação. E embora nunca perca o coração e charme que tem, funciona apenas na forma de retalhos. Esses chegam ao seu auge muito à conta de uma Nicole Kidman como Boadicea [referência à guerreira que lutou contra os Romanos na Grã-Bretanha], completamente alienada na forma de uma estilista que descobre talentos Punk, mas que na verdade já faz disso uma espécie de vida empresarial em torno da “arte” e não com a rebeldia inerente à subcultura (há também bocas aos The Clash, ícones punk, pela sua institucionalização com uma grande editora nesta altura).

Uma nota para o trabalho cénico, de coreografia e do guarda-roupa na sequência inicial quando somos apresentados à “Colónia”, e para o tratamento da fotografia dada por Frank DeMarco nas cenas de rua – sequências cheias de grão na imagem, à lá anos 70 e um trabalho de câmara de focar/desfocar constante de um objeto/personagem em movimento. O truque de DeMarco para estas cenas entre punks punks, e não podendo recorrer a 16mm, foi recriar engenhosamente a sensação com o Super 35 digital ampliado para 300%. O resultado é fascinante e dispar do olhar mais “clean” e vívido das cenas que envolvem os “extra-terrestres”.

Em suma, John Cameron Mitchell pode não ter conseguido atingir o brilhantismo dos seus trabalhos anteriores, mas é tão punk na sua forma de fazer cinema e trabalhar a narrativa (sem medos e repleto de exageros) que nos apetece dizer: Hey ho, let’s go!


Jorge Pereira
 

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