Terça-feira, 19 Março

«Quand on a 17 ans» (Quando se Tem 17 anos) por André Gonçalves

As estações do ano acompanham a passagem do nosso tempo. As árvores perdem e voltam a ganhar folhas, frutos. Para Techiné, novamente, é um dispositivo lírico para colocar em paralelo com o próprio ciclo da vida humana, pontuado pelo nascimento e pela morte. 

Quase um quarto de século volvido sobre o seminal “Juncos Silvestres”, o veterano francês volta a centrar-se no processo transformador da adolescência, e realiza o filme mais marcante desde então. Demorou mais de um ano a chegar cá desde a sua estreia no início de 2016 no Festival de Berlim. Está fora de competição neste Queer Lisboa, mas é o melhor filme aqui presente, ponto.   

Dadas as relativas semelhanças entre a obra de 1993 e este novo filme, convém realçar o carácter “explícito” deste último no seu homoerotismo, ao contar a aproximação de dois rapazes de meios diferentes. 

Para um espectador que esteja a ficar farto de histórias de saídas de armário (e se for um habituée do festival Queer, haverá essa fadiga normal),  “Quand on a 17 ans” é mesmo assim uma lufada de ar fresco. Este é um filme sobre coming out também, sim, mas não se deixa reduzir a tanto. 

É um filme silenciosamente político. Eis que no quadro principal, encontramos também a progenitora de um dos rapazes (uma memorável Sandrine Kiberlain, não menosprezando as revelações dos dois jovens atores Kacey Mottet Klein e Corentin Fila), separada do seu marido a trabalhar numa zona de guerra. Diria até que a descoberta da sexualidade e a passagem de idade a certo ponto contrapõem-se com uma “passagem de tempo” global, independentemente da idade – e daí haver uma ironia divinal no título “Quando Temos 17 anos” (percebe-se, mas não é só). Existem aqui outros pormenores em jogo: como a fisicalidade inicial entre os dois rapazes em primeiro plano a interagir como a fisicalidade “ausente” da guerra que acontece fora do ecrã, até de facto, percebermos o que se vai passar. Com Techiné na sua melhor forma, sentimos que temos obrigatoriamente que voltar à obra, para captar todos os pormenores que possam ter passado ao lado. 

Eventualmente o ciclo fecha-se e “Yafaké” de Victor Démé começa a tocar na última cena, encerrando com chave de ouro esta reflexão global sobre o que é ser humano e ter consciência da sua passagem do tempo. E claro, sobre a paixão adolescente, empregando a mesma sabedoria – embora de um modo mais sintetizado – que o também apaixonante “A Vida de Adèle” de Kechiche.  

André Gonçalves

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