Terça-feira, 19 Março

«Corpo Elétrico» por André Gonçalves

Se inicialmente o “corpo elétrico” do título parece apontar para o corpo do eixo principal do filme, o jovem Elias, liberto de preconceitos e romantismos, no final, percebemos um segundo sentido: o corpo pode ser, acima de tudo, o corpo vibrante de personagens que compõe esta narrativa aberta sem checkpoints obrigatórios: os colegas da fábrica têxtil onde trabalha (e onde, apesar de assumir um cargo superior, essa superioridade é totalmente descartada na hora de estar com eles, para desconforto de um dos seus chefes); o seu ex-parceiro rico Artur; o segurança com quem troca um flirt e depois uma escapadinha; o parceiro sexual ao qual conta o seu dia-a-dia e os seus sonhos…  

Em estreia nas longas-metragens atrás da câmara, Marcelo Caetano (que é também coargumentista e assistente de realização de “Mãe Há Só uma” de Anna Muylaert, que encerrará esta edição do Queer) partiu com a vontade clara de traçar um panorama da cidade de São Paulo, aqui e ali idealista, sim, mas com as melhores intenções, e sempre despertando a nossa atenção. Para tal, construiu um guião com recurso a um trabalho sempre em colaboração com os seus atores, estimulando o improviso destes – um pouco à imagem do que temos por cá com João Canijo, por exemplo. Tal como Canijo, o resultado equivale muitas vezes a sentirmos que estamos a testemunhar pedaços destas vidas ao vivo, de estarmos a caminhar ao lado delas (como aquele travelling à saída da fábrica, que vai juntando e reordenando conversas, certamente um dos pontos altos aqui), ou de estarmos a espreitá-las de perto. 

Caetano mostra assim a outros cineastas, que sim, é possível fazer narrativas estimulantes fora de convenções, sem que para tal se tenha que alienar a audiência. É possível portanto aproximar o cinema dos retalhos da vida nem sempre alinhados. O que conta até nem é nada que não tivéssemos experimentado anteriormente, mas há aqui uma energia, um sentir do pulso da cidade e destas vidas, que vai cativando, que vai justificando toda a nossa atenção neste corpo em movimento. 

André Gonçalves

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