Sexta-feira, 26 Abril

«The Eichmann Show» por Hugo Gomes

Os tempos mudaram: ficar impressionando, “espantado” ou emocionado perante relatos de sobrevivência ou desolação do Holocausto é visto como uma tarefa incompleta nos dias de hoje. Há que apostar no intimismo, no veio filósofo sobre o próprio ato humano e o olhar politico que levou o Mundo a conhecer uma das piores facetas da Humanidade.

São os tempos da Banalidade do Mal, essa tese implementada pela filósofa Hannah Arendt após a sua cobertura ao mediático julgamento de Adolf Eichmann, o braço direito de Hitler e o assumidamente orquestrador da Solução Final de Extermínio dos Judeus. Este seu contato com o dito “monstro”, motivou-a à reflexão da condição humana e a raiz do mal, longe dos floreados maniqueísmos vendidos a “torto e a direito”, mas sim da capacidade de atuar perante o juízo de cada um, correto ou errado consoante a perspectiva e a aptidão de que tais “gestos” ou “desumanidades” possam ser replicados até mesmos pelos posteriores agredidos, sem estes perceberem as respetivas consequências.

Enquanto Arendt defendeu que Eichmann não era melhor nem pior que os restantes, apenas alguém que cumpria ordens sob uma submissão crente, o documentarista Leo Hurwitz, ao lado do produtor Milton Frutchman (responsáveis pela transmissão televisiva do dito julgamento), procuram no nazi o seu último reduto de sensibilidade humana, para que esta imagem possa advertir futuras gerações que até mesmo o mais indefeso pode-se converter num fascista e que não existe coisas como “monstros” no mundo real.

Induzido por uma produção de cunho BBC, The Eichmann Show é uma atualização aos horrores narrados de uma Guerra à ética e à moral cada vez mais longínqua, enquanto tudo corre de forma bem oleada como “manda a sapatilha” da produtora. Mesmo assim, sob o comando de um produto a roçar o telefilmíco, Paul Andrew Williams acerta em algumas escolhas na narrativa desta investida doutrinal. O uso das filmagens reais, os relatos que marcaram a História, preservados ao bom uso da intriga e que de raccord assentam nas imagens ficcionais, tornam esta experiência (que se adivinhava maçadora) num ensaio modesto de como uma cinebiografia pode ser verídica em simultâneo com a sua liberdade cinematográfica.

The Eichmann Show faz ponte com o recente O Labirinto das Mentiras (apresentado como filme de abertura da edição anterior da Judaica), o qual esboçam uma época onde campos de concentração e genocídio em massa em países “civilizados” constavam imaginações alienadas. Ambos os filmes reconstroem esse embate, o confronto de uma atualidade com um passado pesaroso que nem todos tiveram a insanidade de esquecer.

Visto como um produto profissional composto por desempenhos competentes (Anthony LaPaglia), eis um tratamento moderno com indícios reflexivos a um dos temas mais controversos da História do século XX. O julgamento de um assassino ou a vingança judia que funciona como uma compensação por perdas irreparáveis? Fica a critério do espectador. 

O melhor – as imagens reais fazem parte da narrativa, auferindo assim na emotividade que a fita contrai por momentos
O pior – resume-se a um “bom” produto BBC


Hugo Gomes 

 

 

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