Sexta-feira, 26 Abril

«ma ma» por Jorge Pereira

As voltas da vida, o destino, o amor e a morte são temas frequentes na cinematografia de Julio Medem, cineasta que recorre mais uma vez a uma mulher para trilhar o seu caminho no cinema espanhol.

A sua obsessão com o universo feminino, basta lembrar Os Amantes do Círculo Polar,  Lúcia e o sexo,  Caótica Ana e  Um Quarto em Roma, adquire uma nova dimensão neste ma ma (sim, com minúsculas) – filme onde o cineasta basco, com a ajuda dos acordes de Alberto Iglesias, ultrapassa muitas vezes os limites do sentimentalismo e cai frequentemente em redundâncias pouco comuns de maniqueísmo piegas.

No centro da história está uma Penélope Cruz avassaladora, algo como não se via desde que Sergio Castellito protagonizou com ela Não te Movas (2004). Ela é Magda, uma mulher em sofrimento que nos primeiros momentos aparece desnuda perante o médico. Conhecendo o tom erótico característico do cinema de Medem, o momento a seguir em que Magda é colocada no “lado errado da estatística” e é diagnosticada com um cancro da mama, serve também para o próprio cineasta declarar que este será um filme completamente diferente da sua filmografia – talvez mesmo um doloroso rompimento com o passado.

E embora o tique de misturar o real e o onírico (neste caso, o inconsciente) se mantenha e até exista uma leitura política pelas entrelinhas (a crise está sempre presente), a destreza e o toque de Medem assentam por aqui como todo o resto da narrativa: como um martelo pneumático que agride o espectador até que este esteja inundado de lágrimas, criando um desequilíbrio assombroso entre momentos excelsos e outros meramente confrangedores e repetitivos (como a sistemática aparição da menina russa, Natasha).

Salvam-se assim os atores. Cruz está sublime, mas não é deixada para trás pelo seu colega Luís Tosar. A dupla, unida pelas tragédias da vida, consegue elevar o filme e liberta-lo de muitos dos maneirismos e clichés das suas personagens, isto numa fita onde até existem alguns elementos pouco verosímeis e atípicos, como o ginecologista cantor, que mantém uma relação emocional com Magda muito para além do que a sua profissão exige.

No final, resta assim uma sensação de que a homenagem de Medem a todas as mulheres (e também homens) que lutam contra a doença funciona mais como um slogan e um livro de autoajuda do que uma verdadeira observação intimista e intelectualmente estimulante, algo que o cineasta quase sempre conseguiu nas suas obras anteriores. Dito isto, bem haja à força de lutar de alguém confrontado com a sua mortalidade. E bem haja às pequenas celebrações de vida. Existem é melhores formas de o mostrar, sem manipulações a céu aberto.

O Melhor: Penélope Cruz e a certeza que o filme vai tocar a todos
O Pior: Procura a lágrima fácil. Confunde lirismo e poesia com frases feitas de qualquer telenovela de horário nobre. Certas opções da narrativa podiam ser discutidas em maior profundidade, pois são moralmente questionáveis.


Jorge Pereira

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