Sexta-feira, 26 Abril

«Gui Lai» (Regresso à Casa) por Roni Nunes

Entre outros feitos nos últimos anos, o realizador Zhang Yimou andou a “traduzir” para mandarim as peripécias dos irmãos Coen (Uma Mulher, uma Arma e uma Loja de Massas) e a investir numa grandiosa e sentimental recriação histórica que tinha Christian Bale no protagonismo (Flores da Guerra). Desta vez ele abandona os conhecidos adornos visuais das suas obras para empalidecer a imagem a fim de dar relevo à uma história centrada em três personagens. Regresso à Casa transita, assim, numa via mais intimista e caraterística de alguns dos seus trabalhos antigos. Gong Li, estrela dos seus primeiros filmes, retoma a colaboração com o realizador pela sétima vez.

O enredo, livremente inspirado nas memórias familiares da escritora Gelsing Yan (autora também de Flores da Guerra) é simples: Lu (Chen Daoming), um prisioneiro político do regime de Mao Tsé-Tung retorna (ou pelo menos tenta…) à casa depois de muitos anos detido. À sua espera estão a esposa Feng (Li) e a filha adolescente Dan Dan (Shang Huiwen). Mas essa volta será tudo menos um simples regresso…

O conjunto da obra do realizador chinês não deixa maiores dúvidas sobre o que ele pensa da Revolução Cultural, programa governamental sob o qual viveu a sua adolescência, e o comentário político ressurge fortemente interligado com os dramas dos protagonistas. Regresso à Casa fala de laços desfeitos, juventudes destruídas e, no deambular amargo ou perplexo dos protagonistas, ressalta a impossibilidade de reconciliação entre o que se perdeu na chuvosa e cinzenta China do início do filme com o ensolarado, mas incerto, recomeço a partir do primeiro terço. Yimou não atribui uma razão para a prisão de Lu, passando como dado estabelecido o caráter corriqueiro das arbitrariedades do período que retrata.

O filme debruça-se ainda sobre a relação entre espaços públicos e privados, marcada pela desigualdade de forças que implica, para o cidadão comum, na sujeição do individual ao coletivo, do amor familiar à fidelidade ao partido. O resultado são existências reduzidas a fragmentos de um passado perdido – simbolizado na memória desconjuntada da protagonista com o qual o sobrevivente Lu já não pode se comunicar se não através de um paciente jogo de espelhos – com a sequência da leitura das carta a atingir um ápice emocional. Não de todo inventivo e por isso mesmo arrastado a tempos mas, ainda assim, é um “regresso à casa” de Yimou consistente e promissor.

O melhor: a forma como interliga o espaço privado com o macrocosmo político
O pior: a perda de fluidez narrativa na segunda metade


Roni Nunes

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