Sábado, 27 Abril

«Force Majeure» (Força Maior) por Fernando Vasquez

 

Quantos de nós já ponderamos qual seria a nossa reação perante uma catástrofe iminente? Seriamos heróis ou cobardes? Seguramente a maioria gostaria de se imaginar como destemido e valente, mas para o cineasta sueco Ruben Ostlund a resposta é mais que evidente. É neste cenário que a história de uma família em apuros se desenrola e é sem complacências retratada.

Após uma séie de meses de trabalho árduo, uma jovem família escandinava chega aos Alpes franceses para cinco dias de merecido descanso e diversão na neve. Aparentemente, esta é uma família perfeita: atraente, próxima e repleta de energia coletiva. Mas a realidade, vinda do topo da montanha, rapidamente os desmascara, quando uma avalanche propositadamente provocada pela estância de ski, assusta todos os turistas que se preparavam para iniciar o almoço no terraço do hotel. Enquanto a mãe tenta empurrar os filhos para debaixo da mesa, o pai foge cobardemente, com tempo para salvar o seu iPhone mas deixando a família para trás.

O incidente não causa estragos palpáveis, mas no subconsciente das personagens torna-se no combustível para o progressivo declinio da relação. Iniciam-se assim umas ferias de confronto e conflito aberto entre o casal, expondo as fraquezas da relação de uma forma perturbadora.

Não faltam exemplos ou comparações possíveis na história recente da sétima arte, mas o ultimo trabalho de Ruben Ostlund tem muito de impar.

Apesar da tensão permanente e intimidante, um dos maiores triunfos de Force majeure é a sua capacidade de ser quase sempre desconfortavelmente cómico. Por mais inconveniente e até mesmo inconsistente que possa parecer, é impossível não soltar umas valentes gargalhadas quando menos se espera, com pequenos detalhes que parecem surgir do nada. O sentido de humor de Ostlund está apurado ao máximo e sempre presente, não existindo para desanuviar situações de inquietação, mas sim para as colorir com novos contornos, tornando-as ainda mais rígidas. O truque é tremendamente eficaz, já que muito do humor nasce dos sorrisos nervosos da audiência, que inevitavelmente se revê com demasiada frequência no conflito do casal.

Mais impressionante ainda é a postura do cineasta, que insiste em manter uma distância segura das personagens, recusando-se a tomar partidos, ao mesmo tempo que força a audiência a faze-lo. A fluidez da camara torna-nos participantes ativos, tal como os vários casais que vão partilhando as ferias do casal, tornando-se juízes e árbitros do jogo de culpa que se desencadeia.

A forma como a estância de ski é apresentada não é menos deslumbrante. Para Ostlund, o ambiente da montanha coberta de neve não é deste mundo. Com pequenos apontamentos e situações vai retratando uma atmosfera que apesar de ser atroz, está modelada para ser um campo de recreio da classe alta. Tal como a situação da avalanche aparentemente controlada mas que na realidade é impossível conter, a montanha apresenta uma ameaça e condição perpetua de desmoronamento. A metáfora entre as linhas tem pouco de subtil, mas não o suficiente para deixar de ser implacavelmente competente.

Ostlund, que passou a estar na boca do mundo desde que venceu o Urso de Ouro para melhor curta-metragem em Berlim com Incident by a bank e um premio em Cannes com Play, reaparece agora como um cineasta extremamente perspicaz e provocador. Não é de estranhar que se tenha tornado num dos nomes mais repetidos este ano em Cannes, levando mesmo para casa o prémio do júri da prestigiada secção Un certain regard.

Hilariante e assombroso ao mesmo tempo, Force majeure é impiedoso na forma como nos expõem a todos, como nos mostra que a verdade universal é um mito e como todas as histórias tem sempre versões múltiplas. Neste jogo de acusação e denuncia todas as nossas fraquezas e hipocrisias ficam desprotegidas, resultando num dos filmes mais imperdíveis de 2014.


Fernando Vasquez
(Crítica originalmente escrita em dezembro de 2014)

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