Quinta-feira, 18 Abril

«Na Fronteira»: Eva Melander e a interpretação mais sensacional do ano

Por mais impressionantes que tenham sido as prestações de Glenn Close ou de Olivia Colman em 2018, a interpretação mais sensacional da temporada coube à sueca Eva Melander, protagonista de Border (Na Fronteira), filme baseado numa curta história de John Ajvide Lindqvist, o autor de Let the Right One In (Deixa-me Entrar).

Assinado pelo iraniano-sueco Ali Abbasi, o vencedor do prémio Un Certain Regard na edição de 2018 do Festival de Cannes, o filme segue Tina (Melander), uma agente aduaneira capaz de cheirar os sentimentos das pessoas, como a culpa ou o medo, o que a ajuda a travar eventuais criminosos. É nesse trabalho que ela vai dar de caras com um homem que transporta pornografia infantil, partindo posteriormente no encalço de toda a rede por trás daquelas imagens.

Uma grande transformação física

Este é um filme sobre a diferença, física mas também psicológica de uma personagem com um dom, mas que não se enquadra totalmente nos padrões humanos que a sociedade impõe. A personagem – que muitos podem incluir no género fantástico e comparar aos Trolls da mitologia escandinava – tem uma aparência e habilidades animalescas, tendo a própria descrito como se inspirou para as cenas em que tem de “cheirar” os sentimentos dos outros: “Foi no Youtube, em vídeos de cães. O meu lábio superior era a única parte em mim que não estava coberta de próteses de silicone ou gelatina“, explicou no Festival de Cinema de Nova Iorque. Melander falou igualmente que tentou imitar a expressão canina, com o movimentar do lábio superior simultâneo ao balançar do nariz quando fareja.

Já Göran Lundström, responsável pela sua caracterização, diz que teve como modelo um esboço desenhado por Abbasi, uma figura quase Neanderthal, mas que não o era: “mais próximo do humano, que não fosse visto completamente dentro do género fantástico“, explicou o maquilhador também em Nova Iorque sobre o processo de implementar 9 próteses no rosto da atriz, o qual demorava cerca de 4 horas diariamente. A voz também é um elemento a ter em conta na personagem de Tina, que a trabalhou igualmente, embora também tivesse a sua forma habitual de falar adulterada pelas próteses dentárias que teve de usar.

Antes das filmagens, Abbasi pediu igualmente a Melander para ela ganhar 10 quilos, mas a atriz acabou por chegar aos 18 quilos, trabalhando com um treinador e nutricionista para construir a massa muscular da parte superior do corpo: “Concordei totalmente que devíamos mudar o meu corpo“, disse a atriz à Indiewire, comparando a experiência à prática de um desporto radical: “Parte do meu cérebro dizia que tudo isso era de loucos, mas simultaneamente excitante“. Ainda assim, a sueca diz que se sentiu desconfortável, pois começou a suar mais, a dormir pior à noite e a não respirar tão bem. Mesmo com essas dificuldades, estava comprometida em conseguir vestir a pele de Tina. Um exemplo desse compromisso é que a atriz confessou que realmente comeu vermes, como se vê no filme.

A entrada no projeto

Em Nova Iorque, Melander explicou que o primeiro contacto com o filme foi com um diretor de casting muito nervoso que lhe ligou: “Tive há um ano e meio atrás uma chamada estranha de um diretor de casting. A voz dele tremia enquanto dizia: ‘Olá, como estás… tenho aqui um trabalho, bem, espero que não leves a mal, nem te sintas ofendida com isso, mas estarias interessada em tentar interpretar uma personagem muito feia?’. Sim, e fiquei ofendida (risos), mas muito curiosa. Li então o conto e pensei, quem vai realizar isto? Deve ser alguém muito corajoso, inteligente e louco. Depois conheci o Ali e o Eero Milonoff que interpreta a outra personagem e aceitei o papel“.

O amor e sexo…

Tal como A Forma da Água ou Deixa-me Entrar, o amor e a diferença andam de mãos dadas numa espetáculo de realismo mágico, mas aqui a negritude da proposta vai mais além, até mesmo do conto original em que se inspira, apresentando – certamente – uma das cenas sexuais mais intensas, repletas de carnalidade e efusivas de descoberta sexual que o cinema nos ofereceu nos últimos anos.

Paralelamente, essa descoberta sexual revela a ‘transformação’ da própria personagem ao longo do filme, de implementação do seu lado mais animal, e na confrontação com aqueles que lhe são mais próximos, como o pai ou o colega com que divide a casa. “Ela é livre, e acho que fazer sexo é realmente como entrar no lado dos animais”, explicou a atriz à Vulture, acrescentando mais detalhes sobre a cena em particular: “Sexo e violência estão próximos. Para me aproximar fisicamente, senti que deveria morder. ‘Estou tão atraída sexualmente! Quero morder!’.

Já o realizador explica que não queria fazer uma cena de sexo à Senhor dos Anéis: “Queria fazer uma cena que fosse realmente natural“. O cineasta explicou também que filmou várias versões da cena captando diferentes sensações, uma mais carnal, outra mais sensível e cuidadosa, outra cheia de animalidade e outra repleta de contenção.

O resultado está à vista. Border é um filme profundamente apaixonante que escapa às convenções e a que a partir de quinta-feira está nos nossos cinemas. A não perder…

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