Nikola Tesla é uma figura de culto para vários, que idolatram uma versão da sua história que não contém a sua doença mental ou várias das suas teorias que poderiam ser classificadas como menos científicas. Já vários filmes tentaram contar a sua história, mas normalmente focam-se no seu génio, nos seus feitos científicos ou nos seus sonhos que acabaram por se concretizar, ignorando tudo o que pode prejudicar esta versão, com apenas alguns (como o episódio do Drunk History com o John C. Reilly, ou “The Tesla World Light” de Matthew Rankin, uma curta experimental, ambos disponíveis no YouTube) a pegarem na história da sua paixão amorosa por um pombo e pouco mais.

Michael Almereyda, realizador de percurso incerto e com resultados variáveis, pega agora em Tesla e tenta contar uma história que se aproxima da versão de idolatria, mas com tons de hagiografia encenada e toques de surrealismo profético, numa espécie de cruzamento entre uma produção internacional europeia dos anos 80 com Twin Peaks. Ethan Hawke assume o papel de Tesla, numa versão que lembra o Albert Finney em “Morte no Nilo” com a voz de Werner Herzog (quase afónico), apesar de ter referido Bowie no “Prestígio” como inspiração. Com ele contracenam Kyle MacLachlan, a fazer uma versão do seu Dale Cooper misturada com Thomas Edison, o grande antagonista de Tesla; Eve Hewson como uma espécie de interesse romântico e a narradora anacrónica do filme; um irreconhecível Jim Gaffigan como George Westinghouse; e Donnie Keshawarz como J.P. Morgan. Nenhum deles parece reconhecer qualquer limite para o exagero na representação o que, com os pequenos apontamentos surrealistas que vão surgindo, só contribui para o sentimento de delírio que parece ser o objectivo do filme.

A imagem está continuamente borrada, com uma profundidade de campo muito estreita que torna demasiado evidentes os dois tipos de cenas usados: os exteriores, com imenso espaço, mas o fundo continuamente desfocado; e os interiores, com o espaço limitado, mas muitas vezes com um pintura matte de fundo, portanto perfeitamente focado. Ainda há uma cena com uma miniatura que parece querer parecer gigantesca, mas que falha como Stonehenge para os Spinal Tap.

Pode parecer que todos estes elementos descrevem um mau filme, mas este é para se ver em sala, de preferência cheia, para se poder apreciar a corrente constante de humor e de absurdo que poderão não ser apercebidos se vistos a solo. Mais, arrisco-me a afirmar que este será um filme de culto, adorado por alguns, menosprezado pela maioria. Infelizmente, incluo-me nos últimos.

Pontuação Geral
João Miranda
Jorge Pereira
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