“Some people were born just so they could be buried.”

“Está tudo na bíblia”, diz um suado Jason Clarke enquanto olha – qual predador, qual quê  – para uma (aparente) presa sentada no banco de trás do seu carro, conduzido pela mulher, Riley Keough, que já carrega em si um semblante pesado de anos e anos de fornicação e morte. 

Na verdade, tal como o livro sagrado, “Sempre o Diabo” é povoado por criaturas desprezíveis, tortuosas, falsas, e tudo é entregue sob a tradição dos melodramas góticos do sul dos EUA, que atravessam gerações e analisam o legado, chocando a facilidade casual com que a violência e a carnificina explodem no ecrã. Baseado na obra homónima de Donald Ray Pollock, “Sempre o Diabo” é também sobre a luta contra os próprios impulsos, uma história de sacrifícios e de “lobos e cordeiros”.

Movimentando-se desde o fim da Segunda Guerra Mundial até 1960, entre Coal Creek na Virginia Ocidental e Knockemstiff no Ohio,  “Sempre o Diabo” vai à frente e atrás temporalmente para nos contar a história de uma série de personagens com vidas complexas que de algum modo se vão entrecruzar num enredo imprevisível e negroA começar por Willard Russell (Bill Skarsgård), tímido veterano atormentado pela guerra no Pacífico Sul que não consegue impedir – por mais sacrifícios de animais que faça – que a sua esposa, Charlotte (Haley Bennett), morra de cancro.  Depois temos o filho deles, Arvin Eugene Russell (Tom Holland), peça central de todo o enredo; Carl (Jason Clarke genial) e Sandy Henderson (Riley Keough), uma dupla marido e mulher que aplica golpes e assassinatos pela estrada fora, sem conhecimento do irmão da mulher, que é Xerife; e Roy (Harry Melling), um pregador enlouquecido, a sua companheira e filha. 

Vítimas, mártires, mas igualmente facínoras e sádicos, a estas personagens soma-se uma narração que nos guia entre tempos e espaços diferentes, havendo notoriamente um enorme trabalho na adaptação do guião e na montagem do filme para enredar todos estes períodos, eventos e indivíduos num objeto sólido e épico onde a violência se propaga entre gerações como um marcador genético.

Antonio Campos, que apesar de há muito ser um dos cineastas independentes mais interessantes do panorama norte americano, apresentou sempre uma rugosidade artificial no seu trabalho (muitas vezes em sobrecarga visual), mas aqui surge com a sua obra mais polida, complexa, ambiciosa e cruel, respondendo com pulso firme e dando um ar da sua graça quando é chamado a orquestrar um vasto elenco e uma história de tons grotescos onde tanto se reza e dá graças a Deus, como se tem sexo com um cadáver na beira da estrada. 

No fundo, e se pensarmos bem, Campos sempre fez isto tudo anteriormente, ou seja, explorar o lado negro de personagens torturadas, perturbantes, excêntricas ou meros falhos, tudo em ambientes de total decomposição e degeneração. Com “Sempre o Diabo”, entrega o seu melhor trabalho nessa viagem à escuridão da alma…

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
sempre-o-diabo-historias-de-violenciaAntonio Campos, surge aqui com a sua obra mais polida, complexa, ambiciosa e cruel