São inúmeras as adaptações que os romances de Charles Dickens já sofreram no cinema e na televisão, algumas das quais com grande sucesso — falamos da versão de “Great Expectations filmada por David Lean ou da minissérie “Little Dorrit“, em que vimos Claire Foy a brilhar pela primeira vez. O lançamento de mais uma versão de Dickens já não tem o mesmo peso da novidade e da expetativa que em tempos teve, dada a saturação do mercado. O feito de Armando Iannucci, o cineasta por detrás da brilhante série “Veep“, é fazer deste “David Copperfield” uma adaptação imperdível.

Desde logo porque este é um filme com uma energia encantadora e um espírito que aquece qualquer coração. A fotografia é inventiva, cheia de cores vivas, transições (raccords) criativas, cenários exuberantes, e um guarda-roupa que caracteriza as personagens tão bem como qualquer diálogo. Quem visse o filme sem som (uma experiência que vale a pena com muitas obras, e por razões inteiramente diferentes) deslumbrar-se-ia com a capacidade que Iannucci revela para contar a história de Copperfield de forma visual. Miúdos e graúdos seguirão os passos do protagonista com o mesmo entusiasmo, embora uns prestarão mais atenção às imagens e outros ao guião.

É que o argumento, escrito por Simon Blackwell (que também colaborou em “Veep“), transborda de humor, além dos típicos ensinamentos universais e das personagens cativantes de Dickens. À tragédia em que caem muitas personagens é contraposto o cómico da vida: a ironia, a ingenuidade e a idiossincrasia enchem o ecrã constantemente para nos lembrar que não há que levar a vida demasiado a sério.

É isso que faz o séquito de personagens que seguimos ao longo do filme. Esta é uma divertida mescla de caricaturas que, devido a um elenco francamente espetacular, se sente serem vividas, credíveis e autênticas. Os produtores escolheram os atores num processo “daltónico” que não olhou a etnia, razão pela qual vemos Dev Patel a assumir o papel principal e um arco-íris de atores a preencher as imensas e deliciosas personagens secundárias. Nikki Amuka-Bird, Gwendoline Christie, Rosalind Eleazar, Hugh Laurie, Tilda Swinton, Ben Whishaw e Daisy May Cooper demonstram todos uma habilidade impressionante em imbuir os seus papéis com caráter, conseguindo construir personalidades fortes e memoráveis.

A opção (iminentemente política) de proceder a este tipo de casting prova toda a sua força, pois que um filme de época britânico jamais atribui a pessoas não-brancas papéis com a dignidade, o poder e a complexidade como os de “David Copperfield“. Também nisso, portanto, este filme é uma agradável surpresa, e executado na perfeição.

Se por vezes as adaptações dos grandes clássicos pecam por não terem uma estratégia ou objetivo claros (senão o de aproveitar a fama de uma obra prévia para atrair espetadores), esta “Vida Extraordinária de David Copperfield” tem intenções explícitas: fazer reviver Dickens com todo o humor, toda a vivacidade e toda a paixão que se sente ao ler o autor britânico, através de imagens que transportam a prosa para novos lugares — visuais, teatrais e cinematográficos. Esta é uma adaptação pensada, que traz a fábula de Dickens para a contemporaneidade de forma inteligente e imaginativa.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Jorge Pereira
a-vida-extraordinaria-de-david-copperfield-reviver-dickensUma verdadeira adaptação de Dickens, que capitaliza o que de melhor o escritor faz para construir um filme cheio de jovialidade, humor e imaginação.