Apanhado por tabela, de forma periférica, no furacão “Me Too”, que afundou Harvey Weinstein e transformou Ronan Farrow (filho de Mia Farrow, apoiante de Dylan Farrow) em estrela do jornalismo, o último filme de Woody Allen, “Um Dia de Chuva em Nova Iorque“, chegou ao público pela porta do cavalo, isto após a Amazon desprezar o acordo que tinha com o realizador, levando o projeto a estrear tardiamente na Europa e a estar num limbo até hoje nos EUA.

Com as salas e bolsos norte-americanos fechados, Allen prosseguiu a sua carreira em Espanha, em San Sebastián, já depois de ter filmado na Catalunha o famoso e bem conseguido “Vicky Cristina Barcelona” em 2008. Já sem figuras marcantes do panorama internacional na atuação capazes de o acompanharem nestas andanças (sem que daqui a uns tempos se arrependam de ter trabalhado com ele), para “Rifkin’s Festival” o cineasta convocou atores conhecidos, mas frequentemente secundários (exceção para Elena Anaya), ou muito longe de serem qualquer chamariz comercial.

Assim, a figura que carrega toda a história e que funciona como uma forma ficcional neurótica do próprio Woody Allen (que no anterior era Timothée Chalamet) é Wallace Shawn, professor de cinema, fã dos clássicos, casado com uma publicista, Gina Gershon, que não resiste aos encantos de um elegante realizador de cinema francês (Louis Garrel) que acompanha no Festival de San Sebastián. “Rifkins Festival” é uma ode a vários elementos, sendo o primeiro e mais óbvio a cidade de San Sebastián, filmada com amor e muita luz e charme (Vittorio Storaro a brilhar, como sempre), mas igualmente tratado como um objeto turístico que podia pertencer à “saga” “I Love You…” (New York, Berlim, etc).

Depois, temos uma ode aos clássicos do cinema mundial, com Truffaut, Godard, Kurosawa, Bergman, Buñuel, entre outros, a serem mencionados e idolatrados por Wallace Shawn, e alguns mesmo replicados por Allen através de pequenas vinhetas a preto e branco que aparecem ao protagonista na forma de sonhos ou pesadelos.

É inevitável não rir em alguns momentos deste “Rifkin’s Festival“, como aquele em que Garrel promete contribuir para a questão do Médio Oriente e resolver a situação, mas a verdade é que todos estes momentos de verdadeira cinefilia parecem ser demasiados óbvios para os mais entendidos na sétima arte, e demasiado obscuros para os leigos. Assim, o filme de Allen é (essencialmente) para o público que adorou a nostalgia de “Meia-Noite em Paris“, ou aquele que preferia ter visto uma versão mais adulta de “Um Dia de Chuva em Nova Iorque“. É para um público capaz de receber referências através de referências, enquanto no coração se alimenta dos habituais dilemas e neuroses do autor, sempre com um olhar profundamente irónico para com os autores modernos, vistos entre os grandes ativismos e os grandes egocentrismos.

E por falar em selo, uma nota final para dois pequenos papéis deliciosos: Sergi López como o marido artista e infiel de Anaya; e um Christoph Waltz a desvanecer no horizonte….

(Crítica originalmente escrita em setembro de 2020)

Pontuação Geral
Jorge Pereira
rifkins-festival-woody-allen-regressa-entre-a-nostalgia-a-ironia-e-o-obvioOde aos clássicos do cinema e à cidade de San Sebastian, “Rifkins Festival” apresenta as marcas habituais do autor em torno de relações, traições e arte...