Estaline foi uma personalidade polémica ainda vivo, tanto como um dos líderes mais conhecidos do Comunismo, como dentro da própria esquerda. Quando morreu, em 1953, ainda pouco se compreendia da magnitude das perseguições políticas e ainda menos tal era aceite pelos partidos comunistas fora da União Soviética. Sergei Loznitsa faz, em “State Funeral“, um trabalho técnico impressionante de, recorrendo às imagens de arquivo das várias câmaras presentes, tentar reconstruir uma linearidade das exéquias de Estaline. Um ritual imenso, com orquestra e guardas por todo o lado, e uma interminável procissão de pessoas.

Se os anúncios constantes e os discursos no final ajudam a entender um bocado o contexto político que se vivia, não é essa a intenção do realizador e as poucas frases que inclui no final mostram o seu objetivo, apesar de esse se tornar claro muito antes. Até lá, são duas horas de milhares de caras a passar pelo ecrã. Sim, podem encontrar-se pessoas a rir (poucas e de fugida), curiosas com a câmara (bastantes), assustadas (muitas) ou com a arrogância e o desprezo dos vencedores (algumas, principalmente militares), mas a maioria mostra emoção real: o choque de incredulidade ou a tristeza profunda que sentimos quando alguém próximo morre.

Ainda antes das frases que declaram a intenção do filme fecharem o filme, vem à memória o famoso discurso de Kruschev, 3 anos depois, em que expunha o culto da personalidade de Estaline. Um discurso tão impactante que causou algumas convulsões sociais, principalmente na Geórgia, terra-natal do dito, a descrença no Comunismo fora da USSR, e até um cisma com a China de Mao. Pode argumentar-se que Kruschev estava a fazer uma jogada política para se legitimar contra outros dos discípulos, que não expõe tudo o que se passou, que ele acabou por fazer parte e beneficiar do que tentava então denunciar, mas isso não retira valor ao que se pode ver tão claramente nas milhares de caras que se vêem neste filme e se tenta combater ideologicamente nos discursos: a equiparação de Estaline ao Comunismo.

É um feito técnico impressionante mas, com mais de duas horas de duração, acaba por se tornar aborrecido. Por muita piada que possa ser ver o esforço monumental para que uma cerimónia deste tamanho decorra com o mínimo de incidentes, as pessoas a lutarem para porem uma mão que seja para poderem dizer que ajudaram a carregar o caixão, ou ver o caixão/fato-de-cosmonauta em que foi enterrado, todo o interesse se vai desvanecendo e chega ao final muito ténue, quando chega.

(texto originalmente escrito em setembro 2020)

Pontuação Geral
João Miranda
state-funeral-so-a-tecnica-nao-faz-um-filmeUma proeza técnica que poderia ser mais impactante com uma edição mais rigorosa