João Nuno Pinto levou 8 anos a construir este Mosquito, uma obra ímpar no cinema português

O ano de 1917 está em voga este ano nas salas de cinema nacionais, não só pelo filme de Sam Mendes, onde o cineasta encontrou inspiração nas histórias que o seu avô, Alfred Mendes, escreveu sobre a sua participação na Primeira Guerra Mundial, mas igualmente em Fátima, que se desenrola também nesse ano, quando os três pastorinhos afirmam terem visto a Virgem Maria (e em fundo se contam os mortos dessa guerra). E temos ainda este Mosquito, filme onde o realizador João Nuno Pinto (América, 2010) se inspira também no avô paterno, Zacarias, que se alistou aos 17 anos com o sonho de ir combater em França, mas viu-se reencaminhado de barco rumo a Moçambique para defender a colónia portuguesa das tropas alemãs.

Esteticamente e narrativamente não existem grandes pontos em comum entre estes três filmes, com a obra de João Nuno Pinto a trespassar efetivamente o seu pensamento anticolonialista e anti-belicista  – “à la Apocalipse Now” (e consequentemente a Coração das Trevas de Joseph Conrad) – através de um soldado (Zacarias) que depois de ficar doente é abandonado pela sua companhia e terá de atravessar Moçambique para a reencontrar.

Embora exista algum didactismo em contar algo nunca visto nos cinemas nacionais (portugueses a lutar contra alemães em África), e tampouco nas aulas de História do ensino obrigatório, Mosquito é acima de tudo um objeto sobre a inocência de um jovem imberbe, agarrado às ilusões patriotas, que irá descobrir a dureza da vida, da guerra, e o peso da palavra colonizador.

Isso fica logo estabelecido numa brilhante sequência a abrir, em que um barco com os soldados chega a Moçambique. Sem um molhe para atracar, João Lagarto na figura de um comandante fanfarrão e marialva avisa os soldados para saltarem “para as cavalitas dos pretos e agarrarem-se às carapinhas“, isto para não se molharem. É curioso que basta apenas esta cena para diluir toda uma ideia do colonialismo menos grave que historicamente nos fomos convencendo e que nos distinguia de outras potências “mais” supremacistas e perversas que nós, como os ingleses, espanhóis, franceses ou holandeses. Num outro momento, vemos um grupo de negros acorrentados a serem encaminhados por um trilho, uma imagem que me remeteu imediatamente para a curta de Billy Woodberry, A Story From África (Uma História de África), sobre as “campanhas de pacificação” em Angola em 1907.

A essa conscientização sobre a pátria e os crimes que se praticaram em tempos de guerra e nas colónias, o jovem Zacarias vai na sua caminhada descobrir-se igualmente a si próprio, especialmente quando instigado por inúmeras adversidades, caindo muitas vezes naquilo que Edgar Pêra chama de “imagens pesadélicas“, algures entre a realidade, o sonho (pesadelo) e o místico, vincadas aqui por uma estética visual desorientadora e por um trabalho de som e banda-sonora eletrónica que acentuam a mecanização do soldado (e dos homens nesta guerra) como um verdadeiro automata ao serviço de um Império Ultramarino.

A forma como o realizador trabalha com o diretor de montagem, de fotografia e do som, leva-nos nisto a uma experiência visual, sonora e atmosférica profundamente sensorial, algo poucas vezes visto – mas não inédito – no cinema nacional, criando em todos os momentos (em Zacarias e em nós) um estado de permanente “febrilidade” e “transe”, onde ainda os anacronismos obrigam-nos a criar mentalmente uma ordem temporal – levando-nos igualmente s a duvidar se o que está no ecrã é real ou fruto da mente fragilizada do nosso soldado.

E com essa execução, João Nuno cria algumas das imagens mais belas (e alucinadas) do cinema português nos últimos anos, com momentos de grande virtuosidade, mas também outros não isentos de tropeções. Nada de grave e, no geral, Mosquito revela ser um filme seguro, arrojado, com uma mensagem muito clara e definitivamente sui generis no nosso mapa do cinema.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Hugo Gomes
Fernando Vasquez
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