Quarta-feira, 1 Maio

«Les Crevettes Pailletées» (Os Camarões Brilhantes) por André Gonçalves

Tão telegrafável como irresistível, este híbrido de Priscilla, A Rainha do Deserto com uma história clássica de oprimidos (underdogs) no desporto

Muitas vezes, a crítica cola-se muito a falar mal da fórmula que se repete, mesmo quando são adicionados ingredientes extra. Há, no entanto, que fazer o devido elogio nos casos em que, vendo não só o objetivo final bem à vista, como inclusive os vários checkpoints narrativos, uma película consegue ainda assim surpreender-nos. Magia do cinema?  

Os Camarões Brilhantes de Cédric Le Gallo e Maxime Gavare, presente na recente Festa do Cinema Francês, é um desses filmes. Telegrafável à distância, sim, e tentativa mais ou menos óbvia de capitalizar num outro sucesso local (Ou Nadas Ou Afundas), estamos perante uma história clássica da equipa que pertence à liga dos últimos, mas vai aprender a lutar pela vitória – aqui sob a liderança de um profissional, que num gesto infeliz onde a cultura atual do politicamente correto não ajudou, acabou por ser sancionado ao ter chamado “maricas” ao jornalista, por este insistir em colocar o dedo na ferida. A ferida aqui é uma presença em risco nos mundiais de natação, por ter novos rapazes em competição. Sanção em causa: treinar uma equipa de pólo aquático de gays. A partir daí, comicidade garantida, sem pontos extra para quem adivinhe o que se segue. Há um ponto em particular que se sabe que vai acontecer mais cedo ou mais tarde, que ficamos a pensar se foi mesmo pensado para ser assim tão telegrafado, aumentando até a tensão para chegar a esse “clímax”.

Previsível mas de um tato fabuloso e uma entrega virtualmente perfeita do seu conjunto (onde se destaca o “treinador” Nicolas Gob, como o elemento que efetivamente atravessa o arco mais visível), sobretudo porque não se inibe de colocar na mesa todas as questões sociais que vivemos atualmente sobre a temática do direito à diferença. Por um lado, o politicamente correto na proibição de heteros chamar “maricas” a gays (só a própria minoria tem direito a fazer), e por outro a completa heteronormatividade que certos gays vivem atualmente, com famílias e filhos por criar, também ela criticada dentro da comunidade queer

Acaba por ser uma piscina bastante diversa esta e a dupla de realizadores e argumentistas consegue incluir estas temáticas de uma forma até bastante orgânica nas suas personagens, as quais são minimamente desenvolvidas nos seus conflitos internos, enquanto acompanham a narrativa sempre com um ritmo minimamente frenético apoiadas pela banda sonora e montagem que insiste em semear alguns planos subaquáticos bem executados, ou brincar com as repetições de um jogo bastante fácil de acompanhar, com medo de perder o espectador.

Tudo isto culmina num clímax bem merecido, um êxtase de empatia de pôr um sorriso na cara de qualquer um que tenha ainda algum espaço no coração livre de cinismo, ao som de “Holding Out For a Hero” de Bonnie Tyler – e se houve contribuições já bastante icónicas deste tema pop para a sétima arte, arrisco a dizer que esta será a mais enternecedora delas todas, que me perdoe Cate Blanchett e Barry Levinson… 

Às vezes é só preciso este tipo de alquimia, de boa energia, para fazer um filme minimamente memorável contra todas as expetativas. Acaba por ser até um pouco meta esta subversão do previsivelmente medíocre, transformando-o em algo vitorioso e tocante. A ver vamos se a inevitável sequela consegue repetir a magia.  

 

André Gonçalves

 

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