Soldado Milhões, a suposta cinebiografia de um consagrado herói da Primeira Guerra Mundial, o único praça raso condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, é possivelmente o que de próximo temos das supostas propagandas militares vindas do nossos primos do lado do Oceano. Trata-se do novo “American Sniper”, respondendo com o signo do infame filme de Eastwood, mas dentro desse jogos de parecenças, Soldado Milhões está a meio caminho de se tornar num Flags of Our Fathers, o heroísmo e a sua desconstrução, assim como a utilização do mesmo em prol de uma imagem-propaganda, um enviusado embelezamento do conflito. Todavia, Milhões não possui a mesma densidade nem a plena coragem de desafiar os seus próprios parâmetros de patriotismo.

Contado a dois tempos, “as medalhas pesam”, frase proclamada por Miguel Borges (o Milhões envelhecido e cansado) que serve como camaleónica interação com essa crítica sugerida mas nunca devolvida ao seu verdadeiro ser. E é porque nisto tudo existe um receio que facilmente se identifica como traição, assim dirão os seguidores das praticas idealistas de Salazar, Deus, Pátria e Família, trata-se do medo de encorajar a sua desmistificação, vá o retrato de mortais redigir-se à dissertação.

Mas no entender, a união entre os dois espaços temporais, a Batalha do Lys (protagonizado por João Arrais), e no calor da Segunda Guerra em Trás-os-Montes (Miguel Borges é o anfitrião), faz-se através de uma grande lacuna, o espaço vazio a inserir que remeteria Soldado Milhões para mais do que um mero episódio de Guerra, o instrumento de propagação idealista de um regime (assim como acontecera com a “fantasia lusitana” da Exposição do Mundo Português de ’40). Essa mesma ausência dá-se com a utilização de Aníbal Augusto Milhais, que certo dia virou Milhões (“És Milhais mas vales Milhões”), por parte de Salazar, o seu heroísmo, apenas um ato de sacrifício segundo os códigos éticos militares, contado e recontado com endeusamento. Sabendo que Soldado Milhões ficou-se num mero rascunho, é de louvar, em certa maneira, o evidenciar de um filme que não crê, nem patroniza o espectador do português.

Um filme de Guerra feito a meios tostões que usa a sua capacidade de improviso produtivo para captar a credibilidade, não atingida, mas possível. Da mesma forma que Kubrick encenou Vietname com meros arbustos e pouco mais em Full Metal Jacket, Soldado Milhões leva-nos a Flandres através de um “faz-de-conta” cénico, onde a miopia reage como autodefesa, e essa mesma defesa um percurso à dignidade. Contudo, não é dignidades que se faz um filme, mesmo que o resultado esteja realmente longe de nos envergonhar.

Existe uma beleza triste na derrota”, as palavras de Fernando Lopes, proferidas em The Lovebirds (Bruno de Almeida, 2007), encaixam que nem uma luva neste nosso episódio bélico. Porque na verdade a Batalha de Lys foi das maiores derrotas das nossas Forças Armadas, onde perdemos uma batalha, mas ganhamos um herói, e um a nossa medida. Pena, que o filme em seu tributo não seja tão corajoso como o verdadeiro Milhões fora.