Terça-feira, 30 Abril

«The Disappearance of Eleanor Rigby: Them» (O desaparecimento de Eleanor Rigby: Eles) por Hugo Gomes

Eleanor (Jessica Chastain) e Connor (James McAvoy) são um casal excecional e apaixonado, pelo menos é isso que julgam e invejam as pessoas em seu redor. Mas quando a tragédia surge, o par rompe a sua ligação, apercebendo-se que o amor proclamado por ambos não é tão forte como suponham. Ele, abatido com a separação, tenta recuperar o seu amor perdido, com a esperança de que a distância é somente uma mera ilusão passageira. Ela tenta acima de tudo esquecer a sua vida anterior, por outras palavras, desaparecer.

Um projeto dinâmico de Ned Benson, a sua primeira longa-metragem, que tenta consolidar as diferentes perspetivas de cariz sexual e ideológica do fim de uma relação. Tal como Rashomon, de Akira Kurosawa, aqui a verdade possui demasiadas versões e a fidelidade de Benson a esse veredito resultou em dois filmes envolvidos em ângulos opostos, Ele e Ela, a visão de Connor e a de Eleanor, respetivamente. Ambas versões salientam a natureza e a divergência da guerra entre sexos proposta, supondo a superação como uma característica própria de cada ser e o amor, não como algo inabalável como se crê nos romances em geral, mas uma reação natural, por vezes ardente e corrosiva, mas não intransponível. Porém, existe ainda outra versão, um terceiro filme, que tem como proclamação a de ser a definitiva visão, de ser a verdade absoluta – Eles – a obra que fora apresentado na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes e no último Lisbon & Estoril Film Festival.

Esta interligação baseia-se simplesmente no mesmo conceito utilizado em Blue Valentine – Só Tu e Eu, de Derek Cianfrance, o fim da relação, o fim de tudo, mas ao contrário da menção anterior, O Desaparecimento de Eleanor Rigby é levado por um tom mais agridoce, e até ao final, esperançoso numa eventual reconciliação. Já que falamos em referências, a obra de Ned Benson ajusta-se como uma distorcida versão de Un Homme at une Femme (Um Homem e uma Mulher, 1966), de Claude Lelouch, o que não por acaso, pois frequentemente vemos o respetivo poster no quarto de Eleonor Rigby, como a definição de espelho numa pintura flamenga, a alma do “pintor” em questão.

Este também é um filme que não se envolve amorosamente com a dor dos seus protagonistas, mas que acrescenta um mundo em redor destes – algumas personagens secundárias, mesmo sem grande espaço de antena, são uma delícia necessária para desanuviar o melancólico que a fita poderia reger. Uma delas é a indispensável Viola Davis. Talvez o mundo dela seja mais interessante e propício do que dele neste “universo partilhado”, mas é ele que nos leva a iludir enquanto aos propósitos do filme, ao mesmo tempo que é imperativo perdoa-lo por essa sua fantasia que certamente não terá um final feliz.

Se James McAvoy encontra aqui um dos seus melhores desempenhos, é verdade que é Jessica Chastain a “engoli-lo” com uma deslumbrante performance. A atriz prova mais uma vez que está a caminhar afincadamente para o título de uma das melhores da sua geração, principalmente a atuar na indústria norte-americana. Ela é emotiva o suficiente, sem com isso recorrer ao bacoco nem ao overacting. A dor da sua personagem consegue transcender e chega a ser partilhada pelo público. Quanto à química de ambos, a culpa de não vê-los definitivamente juntos começa a sentir-se gradualmente.

Mesmo que possa a não vir a ser a proposta aliciante das versões de Ele e Ela, o capitulo Eles funciona como um cativante e delicado drama que tenta contrastar com a definição do cinematograficamente romântico. Aliás, o que temos aqui é um filme isento dos moldes “hollywoodianos“, mais envolvente e apaixonante, devo dizer, que um cinema mais marginal e autoral sobre a intimidade amorosa. Uma proposta para fazer-nos apaixonar pela triste beleza da separação!

O melhor – Jessica Chastain; a proposta de Ned Benson
O pior – mais valia lançar primeiro as versões Ele e Ela para o mercado nacional, e só depois a dita versão definitiva


Hugo Gomes

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