Durante 2h14min vamos embarcar numa viagem de duas jovens nadadoras fugindo da guerra da Síria em busca de uma nova vida na Alemanha.

Esta é a narrativa do filme “As nadadoras/The Swimmers” (2022) um drama biográfico poderoso, realizado e coescrito pela realizadora galês-egípcia Sally El Hosaini (1976-). E esta é a sua segunda longa-metragem.

Uma ficção baseada na vida real de Sarah Mardini (1995-) e Yusra Mardini (1998-), vividas respetivamente pelas atrizes franco-libanesas Manal Issa e Nathalie Issa.

Tudo inicia na Síria, onde as duas irmãs, menores de idade, amigas e estudantes, viviam uma vida normal entre a família e amigos. Normal entre aspas, pois a Síria desde 2011 está sob guerra civil, está sob bombas e tiros e as ruas ocupadas por soldados. Isto tem forçado um vasto deslocamento populacional, um incessante fluxo de refugiados para outros lugares ou continentes. Estima-se que mais de meio milhão de pessoas já foram mortas neste conflito armado que envolve, dentre outras questões, a luta pela deposição do ditador al-Assad.

A Síria, diga-se de passagem, foi colónia francesa até se libertar em 1946.

As irmãs Mardini (Sarah e Yusra) viviam, portanto, numa realidade nada fácil.
Em paralelo eram treinadas pelo pai, que um dia foi nadador profissional, competiu e alcançou medalhas pelo seu país.

As adolescentes foram criadas de modo libertário no seio de uma família amada e unida, e não usam hijab, vestimenta obrigatória para as mulheres em muitos países árabes, muçulmanos.

Sarah é a mais independente, politizada, ousada e transgressora.
Já Yusra, dedicada à natação, foi medalhista na Síria, é disciplinada e determinada a participar nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.

Ainda na Síria, um dia, enquanto treinavam, uma bomba explode o ginásio da piscina. O medo e a insegurança se instalam de vez. E isto as impulsiona ainda mais a abandonarem o país devastado pela guerra.

As duas irmãs decidem migrar para a Alemanha na tentativa de pedir asilo como refugiadas.
Inicialmente os pais delas eram contra, mas acabaram por concordar e financiar a viagem. Tomaram um empréstimo já que a condição social deles não é privilegiada economicamente.

Na longa jornada até a Europa, as raparigas têm a companhia do primo Nizar (interpretado pelo ator Egípcio Ahmed Malek).

A travessia é arriscada. Passam pela Turquia, Hungria e Grécia até chegarem a Berlim, onde buscam refúgio. Nesta época, a Alemanha estava mais recetiva aos refugiados. Pela rota, eles encontram pessoas trapaceiras, diversos tipos de transportes escusos, passam fome e sede, saltam muros/cercas de arame farpado e são até mesmo obrigados a atravessar a nado o mar Egeu/Grécia, a noite, durante cerca de 3h30. Já que o pequeno barco insuflável não cabiam os 18 migrantes que nele foram colocados pelos atravessadores que extorquem outros seres humanos.

Sarah e Yusra inclusive salvaram vidas de quem não sabia nadar.
Percorrem, portanto, um difícil trajeto da Hungria até Lesbos, e de lá pegam um autocarro para Berlim.

MIGRAR exige coragem, força física e emocional e disposição para encarar dificuldades, pois os riscos são companhia garantida.
Enquanto migrante vivendo em Portugal há 3 anos, conheço esta condição, embora não tanto problemática como a situação que viveram as irmãs Mardini enquanto migrantes refugiadas.

Apesar dos perigos, as duas Mardini conseguiram chegar vivas a Berlim. Todavia, muitos dos migrantes (incluindo crianças) de países periféricos, em guerra ou em situações vulneráveis (como Eritreia, Somália, Iraque, etc), pessoas que fizeram parte do caminho com elas, não tiveram a mesma sorte, alguns morreram ou foram presos pela polícia em alguma fronteira.

Em Berlim, elas conseguem ser bem acolhidas como refugiadas.

Yusra logo descobre uma piscina e cria a oportunidade de voltar aos treinos de natação, diante da determinação de ir às Olimpíadas de 2016 representando a Síria.
Depois de recuperar a sua força física e emocional, com o apoio de Sven (treinador do Centro de Refugiados, interpretado pelo ator alemão Matthias Schweighöfer), ela consegue a pontuação necessária para ir às Olimpíadas do Rio de Janeiro representando os refugiados, e lá alcança uma medalha.

Já Sarah, vai trilhar uma escolha diferente da sua irmã, ela decide ir para Lesbos na Grécia, ajudar os refugiados, mas no filme a realizadora não detalha o plano de Sarah, eu senti falta de saber mais.

Nem tudo na vida das duas jovens sírias é mau: Sally El Hosaini destacou no ecrã alguma alegria, a exemplo de quando as Mardini chegam a Berlim; e no fenomenal momento em que Yusra conquista a medalha na equipa de refugiados nos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Como é possível ver, mesmo com todos os riscos e entraves elas não desistiram de seus sonhos.

Em “As nadadoras/The Swimmers“, gostava de destacar também o modo como é construída a narrativa fílmica. A câmara imersiva acompanha e regista as vivências, os obstáculos e conquistas das duas personagens principais em seus movimentos inquietos, filmados em locações abertas e fechadas de diferentes países, grande parte com câmera na mão. O filme é falado em várias línguas, o que não seria algo fácil para uma diretora pouco experiente, contudo as pessoas são muito bem dirigidas por El Hosaini, sobretudo as atrizes que interpretam Sarah e Yusra (Manal Issa e Nathalie Issa). As atuações são naturais, bem espontâneas. E há poucas imagens de arquivo, a maioria foram filmadas em locações.

A banda sonora é intensa e diversificada, jovem e vibrante, contempla rock, pop e outros ritmos, do Egito, Jordânia, Palestina, Emirados Árabes, Tunísia, EUA, FR, etc. Quem tiver interesse em ouvi-la, clique AQUI
Há descrições de cada música relacionada a cada cena.

A montagem é quase cronológica, mas bem orquestrada, dá visibilidade a experiência de pessoas refugiadas e salienta a determinação da jovem atleta Yusra em ser bem sucedida mesmo diante de poucas probabilidades. Ainda hoje ela vive na Alemanha, dando continuidade a sua carreira com segurança. Local onde Yusra e Sarah pretendiam, desde quando partiram da Síria, pedir reagrupamento familiar, trazer seus pais e a irmã mais nova para se juntarem a elas, não sei se conseguiram.

Não foi de imediato que as irmãs Mardini permitiram que suas histórias de vida fossem para o ecrã, os produtores tiveram que esperar algum tempo, a negociação iniciou-se em 2016 quando Yusra se preparava para ir às Olimpíadas do Rio.

Nos créditos finais do filme nos é dado a saber que Yusra igualmente competiu nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, pela equipa de refugiados. E tornou-se defensora e voz forte para os refugiados de todo o mundo.

Sarah, ex-nadadora de competição, tornou-se ativista de direitos humanos e salva-vidas, ajudando outros refugiados na Grécia/Lesbos, onde foi recentemente e indevidamente acusada de colaborar com tráfico de pessoas, pelo simples fato de salvar vidas de migrantes em risco de afogamento no mar.

O seu trabalho em Lesbos era encontrar barcos em apuros e prestar os primeiros socorros às pessoas que neles estavam. Se condenada, pode pegar até 25 anos de prisão, a segunda sessão de julgamento (ainda não concluído) ocorreu em janeiro de 2023. A Amnistia Internacional tem lhe dado apoio.

Desde 2011 cerca de 5,7 milhões de sírios se tornaram refugiados. E há cerca de 30 milhões de pessoas refugiadas em todo o mundo, a metade com menos de 18 anos.

O filme “As nadadoras/ The Swimmers” foi premiado no BAFTA – British Academy of Film and Television Arts e está disponível na NETFLIX.

Pontuação Geral
Lídia ARS Mello
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