Havia uma experiência comum no final do século passado nas tascas do Bairro Alto em Lisboa onde nós víamos, sem querer, alvo de uma torrente incoerente de experiências mal resolvidas de um ex-combatente da Guerra Colonial. Não era uma experiência completamente desconhecida: todos tínhamos pais, tios, e primos que tinham ido e que nunca falavam sobre o tema a não ser naquelas noites em que o beber ocasionado por uma festa familiar trazia fragmentos de discurso que apenas davam traços muito gerais do horror vivido ou numa qualquer crise provocada por algo tão banal como um avião a voar mais baixo.

Não se pode dizer, décadas depois, que esse trauma coletivo tenha sido alguma vez resolvido e ainda aparecem, por vezes, filmes que o tentam retratar. “Guerra” é um desses filmes que, cheios de boa vontade, mas não de orçamento, tenta mostrar o abandono a que foram votadas algumas das pessoas que, ao voltarem a Portugal, não conseguiram encaixar numa vida “normal”.

Infelizmente, um dos seus pontos mais fracos é o seu final que, procurando uma espécie de fim da tormenta do protagonista, acaba por assumir uma posição fatalista e minar toda essa boa vontade, sugerindo que a morte é o único caminho e não responsabilizando o estado português tanto pelo abandono, como pela falta de suporte psicológico que tantos deles ainda precisam. Como um banal “é a vida” num funeral, ignorando os cortes sucessivos ao serviço nacional de saúde que levaram à morte de alguém. Este filme poderia assumir a posição de escudo de Perseu, como usado por Kracauer, refletindo a realidade sem nos deixar ficar paralisados por ela, mas fica-se mesmo pelo fatalismo tão comum à nossa cultura portuguesa.

Se o baixo orçamento é visível nas escolhas estéticas, acentuadas pela falta de imaginação da realização, o grande problema é mesmo a incoerência do discurso, que tenta dizer mais do que consegue e se reduz a cenas episódicas que se recusam a formar um todo e à procura do pathos necessário para compreender o seu protagonista, caindo mais no significado de exagero de patético do que no de tocante. No final, lembra mesmo a torrente incoerente das tascas do Bairro Alto, desta acompanhado de imagens insuficientes.

Pontuação Geral
João Miranda
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