“Summer survivors” (Sobreviventes de verão, 2018) é escrito e realizado pela jovem cineasta, estreante em longas-metragens, a lituana Marija Kavtaradze (1991-).
Filmado em apenas 18 dias do ano de 2018, com muita liberdade e poucos recursos, como revela a cineasta numa curta entrevista ao ARTE KINO FESTIVAL.
Ela também disse que antes deste filme realizou 5 curtas e, recentemente, rodou a sua segunda longa-metragem, cujo título não citou, mas relata que traz um olhar do foro íntimo, assim como a primeira.
“Summer survivors” é um road movie, drama ficcional com planos filmados bem próximos das personagens criando assim uma atmosfera intimista.
Uma jovem psicóloga inexperiente, audaciosa, persistente e introspectiva (Ingre), recém contratada, é designada pelo seu chefe para transportar um jovem paciente (Paulius), de um Hospital Psiquiátrico que é comandado por um médico insólito, mas bom profissional.
Ela acompanha Paulius rumo a uma clínica à beira-mar.
Na viagem, que se passa supostamente no verão como alude o título, Ingre tem como companhia uma rapariga, também paciente do Hospital onde ela trabalha (Juste, a jovem loira da imagem acima) e uma enfermeira, que no meio do caminho a psicóloga a deixa para trás, sem explicação plausível. Talvez a tenha deixado para não se sentir constrangida devido à sua insegurança diante dos pacientes que estão sob sua responsabilidade.
O paciente Paulius sofre de distúrbio bipolar, portanto, o seu humor está sempre a alterar.
Juste está a ser tratada após uma tentativa de suicídio.
Ambos se recusam a admitir que estão doentes e necessitam de ajuda.
E se sentem visualmente e emocionalmente deslocados do quadro da vida social.
À medida que as três personagens lutam com as suas batalhas interiores, a viagem aproxima-os e expõem as suas vulnerabilidades, dores e sofrimentos.
Até mesmo a psicóloga é confrontada pelos pacientes, às vezes ela resiste e tenta se impor, mas por vezes também recua diante de sua própria precariedade e pouca experiência, enquanto profissional que cuida da saúde mental dos outros.
Juntos partilham desafios diferenciados e até alguns momentos divertidos.
Marija Kavtaradze acolhe e espelha na tela o sofrimento mental de duas personagens jovens e o acompanhamento da psicóloga que está a cuidar delas. Três pessoas que vão se conhecer em movimento, enquanto compartilham cumplicidades e fragilidades numa viagem singular.
No trajeto, a realizadora cria situações banais para dar mobilidade à narrativa e às ações das personagens, que passam quase todo o filme dentro do carro.
Um exemplo, é quando Ingre estaciona o carro para Paulius visitar um irmão (e pegar supostas chaves de uma casa onde ele diz que irá viver).
Outro, é quando a psicóloga estaciona o carro para irem à casa de banho de um bar à beira da estrada.Momento em que dois passantes sorriem ao ver no carro o nome de um Hospital, supondo que Paulius e Juste são loucos. Eles percebem, se sentem discriminados e Paulius decide cobrir com papel o nome do Hospital, a psicóloga ajuda-o.
A realizadora opta por fazer um filme de estrada, para retratar um tema tão sensível e socialmente necessário.
Ao filmar as personagens com planos mais próximos, quase sempre no interior do veículo que os transporta, ela nos coloca frente a frente aos seus afetos, mas sem julgamentos.
Há também planos mais abertos, longos travellings laterais que nos dão a ver pelos vidros do carro em movimento, a natureza e os outros carros que passam em direção contrária na estrada que percorrem. Nos dão a ver a vida que escorre fora do carro do Hospital nas cidades que atravessam, e o distanciamento do mundo que ignora como vivem ou sentem estas pessoas excluídas da engrenagem social.
O filme contempla excelente direção de atores, destaco a atuação dos principais: Indre Patkauaskaite (Indre, a psicóloga), Gelmine Glemzaite (Juste) e Giedrius Kiela (Paulius), eles não atuam, vivem as personagens de maneira natural e inteira.
Os diálogos são muito acertados, plenos de leve ironia e crítica social com relação ao tema do filme e expressam os sentimentos e a vida íntima das personagens.
E a banda-sonora pontua com precisão e delicadeza os afetos delas.
O filme coloca em evidência questões relativas às pessoas com sofrimento mental e mostra que elas sobrevivem, mesmo quando a sociedade não dá atenção àqueles supostamente invisíveis, filme que é nomeado ´sobreviventes de verão´.
Saliento que no plano da realidade, a pessoa portadora de doença mental é quase sempre vista e tratada com exclusão social. A realizadora em nenhum momento deprecia a condição das personagens à margem da sociedade, pelo contrário ela integra-as e acolhe numa história contada de forma respeitosa, ética, honesta, criativa, positiva e impactante.
Um olhar feminino vigoroso e inspirador, do recente cinema independente lituano.
Com duração de 1h27min, “Summer survivors“ está disponível online e grátis no Festival de cinema europeu ARTE KINO e é possível votar no melhor filme. Eu dei a pontuação máxima, 5 pontos. O filme teve 8 indicações e ganhou 3 prémios da Academia Lituana de Cinema, dentre outras participações em festivais. Teve o seu lançamento mundial na Secção Descoberta do 43º Festival Internacional de Cinema de Toronto.