Já com uma mão cheia de longas-metragens na carreira, muitas das quais filmadas na sua cidade natal, Gaotai, região chinesa que faz fronteira com a Mongólia Interior a nordeste, Li Ruijun levou o seu mais recente “Regresso ao Pó” (Return to Dust) à Berlinale este ano, conquistando espectadores pelo seu olhar terno e incisivo às formas de ruralidade que tendem a desaparecer e como as relações humanas se transformam no processo.

E tudo numa China contemporânea onde a ida para as cidades continua a ser por vezes um ato de sobrevivência, mas neste caso uma obrigação, já que de forma a erradicar a visibilidade da pobreza, o governo chinês partiu para a demolição de casas rurais rudimentares, forçando os habitantes a seguir para as urbes.

E no centro deste conto, além do burro que todos questionam como irá viver num apartamento na pequena cidade que lhe está destinada, estão dois solitários, Youtie Ma (Wu Renlin) e Guiying Cao (Hai Qing), um homem recatado e uma mulher com uma deficiência que decidem unir os trapinhos através de um casamento arranjado pelas suas famílias, que na verdade consideram-nos um fardo.

A partir de uma forma artificial de união que se normalizou de forma milenar (um casamento arranjado), onde a exposição de atos românticos apaixonados é inexistente, Li Ruijun constrói uma narrativa sobre um tipo de “amor” também ele em decadência, onde a união e o companheirismo impera e supera a paixão carnal. Nesse processo, o cineasta lança também um olhar espesso sobre a dureza do trabalho da terra, as frequentes injustiças que assaltam os agricultores (das condições naturais, ao desprezo do mercado e governo), onde a aridez processual do labor do dia a dia encontra um exímio paralelo na geografia da paisagem e também nos afetos.

Maravilhosamente fotografado por Weihua Wang e montado pelo próprio Li, num jogo de imagens bucólicas que carregam o drama muitas vezes de forma poética, “Return to Dust” resulta num objeto simples, bem filmado e esquadrinhado no campo das emoções, embora fatalista, de um destino traçado ao qual as personagens não conseguem escapar, onde o autossacrifício é visto com majestade sem o devido sentido crítico que poderia (e deveria) ter.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
regresso-ao-po-do-po-vieste-ao-po-voltaras “Return to Dust” resulta num objeto simples, bem filmado e esquadrinhado no campo das emoções, embora fatalista, de um destino traçado da qual as personagens não conseguem escapar, onde o sacrifício é visto com nobilidade, sem o devido sentido crítico que poderia ter.