Distribuído numa travessa untada de pop e coberto por uma espessa camada CGI de efeitos visuais sem qualquer compromisso com o realismo, “Black Adam” assume a sua natureza de jogo eletrónico em forma de filme sem nenhuma culpa – o que o liberta, tonificando a sua elétrica narrativa. O porto seguro de onde alça voo é a atuação madura do antigo 007 Pierce Brosnan como Dr. Fate, o dono do elmo de Nabu, um capacete mágico. O seu poder é prever o futuro, além de gerar feitiços de saltos temporais. Não, não viram isso em “Doctor Strange“. Isto não é Marvel. É um filme do estúdio que nos deu “Joker“. Algoritmos aqui são combatidos com valores de X rascantes e frases existencialistas de Brosnan, num espétaculo de elegância. Ele tira as rédeas do próprio Dwayne The Rock Johnson, que assume o manto trevoso do quase Deus Teth-Adam. E Dwayne dá o seu melhor. Mas Brosnan quer correr atrás do que deixou para trás quando passou James Bond para Daniel Craig. E corre atrás disso com o ímpeto de provar como envelheceu bem. E como é capaz de humanizar um arquétipo.

É difícil limitar Black Adam numa geometria arquetípica nítida. Com um visual parecido com o do Capitão Marvel (alter ego de Billy Batson, mais conhecido por “Shazam!”), a personagem foi criada por Otto Binder e C. C. Beck, e apareceu pela primeira vez numa banda-desenhada da Fawcett Comics, “The Marvel Family”, numa edição do Natal de 1945. Por anos a fio, até Shazam ser incorporado pela DC, nos anos 1970, o Black Adam, chamado Teth-Adam, era o algoz do vigilante do Olimpo. Mas, a partir dos anos 1990, com as bandas-desenhadas de Jerry Ordway, o terrorista com poderes oriundos da magia dos deuses virou uma espécie de protetor da Terra. Daí o interesse de uma estrela como Dwayne numa figura tão densa e controversa.

Encarado como um potencial blockbuster, o filme é assinado pelo catalão Jaume Collet-Serra (de “A Órfã”) e mostra a saga de um homem escravizado que ganha poderes mágicos similares aos de Shazam. Condenado a um fosso de esquecimento, ele acorda para salvar uma rebelde que almeja salvar a sua terrra, Kahndaq, das mais variadas formas de intervencionismo. Daí brota a verve crítica da longa-metragem, que traduz a bondade na figura brutal do Hawkman (Gavião Negro), vigilante que Aldis Hodgess compõe como se fosse o Stallone de “Cobra“. Não há Bem e não há Mal no filme. Existe a via da reação. A de Black Adam é pelas veredas do ódio. A do Dr. Fate é pela sabedoria. Dessa fricção, nasce um espetáculo provocador.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
Jorge Pereira
black-adam-na-fronteira-entre-o-bem-o-mal-e-o-politicoNão há Bem e não há Mal no filme. Existe a via da reação. A de Black Adam é pelas veredas do ódio. A do Dr. Fate é pela sabedoria. Dessa fricção, nasce um espetáculo provocador.