A temática de um amor entre mãe e filho, que ultrapassa as convenções sociais e entra em terreno carnal, faz parte da tradição literária e consequentemente cinematográfica, mas a alemã Isabelle Stever consegue através do seu “Grand Jeté” criar um objeto único, que não só revela extrema coragem de quem o realizou e escreveu, mas que realmente nos leva numa viagem sensorial e emocional muito para lá das fronteiras do estabelecido.

No centro da história está Nadia (Sarah Nevada Grether), uma antiga bailarina (daí o título, que evoca o grande salto) agora entregue ao ensino. Focada completamente na sua carreira em jovem, ela afasta-se do filho que teve, Mario (Emil von Schönfels), regressando anos depois ao convívio com ele quando o seu futuro na dança está encerrado para a performance. É nessa aproximação, e sempre através de uma análise física e psicológica ao corpo da mulher, em degeneração, em oposição ao do filho, em plena pujança e transformação para a idade adulta, que começa uma relação carnal e afetiva muito particular entre os dois, tão capaz de provocar estranheza e repulsa, como compaixão e atração.

Sempre ambíguo nas suas palavras e imagens e com um alto cuidado plástico e bom gosto por parte da cineasta, com cada cena a ser tratada com uma sensualidade extrema, mas nunca experimentando o romantismo ou pornografia, Stever arrasta o espectador para um conto que nos sequestra para território ignoto, nunca oferecendo respostas ou julgando as suas personagens, cuja química e interação sente-se sempre orgânica, sofisticada e pura. 

Transgressor no que concerne à tradição moral da sociedade, o filme arrebata quem o assiste (ou provoca repulsa, consoante a visão sobre o tema) pelo seu realismo aprumado e o magnetismo de dois atores estonteantes, mostrando que corpo e alma, com laços de sangue ou não, andam aqui de mão dada para produzir um dos filmes mais destemidos, valorosos e controversos de 2022.

A não perder.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
grand-jete-um-dos-filmes-mais-destemidos-valorosos-e-controversos-do-anoUma viagem sensorial e emocional muito para lá das fronteiras do estabelecido.