Julie não é a pior pessoa do mundo. Mas crê que sim. O narcisismo que se instalou na contemporaneidade, passo a passo com o hiperindividualismo, o culto do corpo e da personalidade, tem o seu reflexo perfeito em Julie. Quando a conhecemos, no início deste maravilhoso filme do norueguês Joachim Trier, ela é um jovem estudante de medicina, até que decide trocar de licenciatura para estudar psicologia, acabando finalmente por largar os estudos para se tornar fotógrafa. Entre essas etapas, ultrapassa a década dos vinte e torna-se trintona, progressão que associa a um conjunto de penteados diferentes. Primeiro cabelo comprido, depois curto; uma fase loira, de seguida morena.

Julie é uma personagem em constante mutação, “à procura de si própria”, como diz o cliché, e faz um conjunto de decisões, umas erradas, outras acertadas, que a vão levando pela vida sem um rumo pré-definido. Isso é fonte de ansiedade mas também de liberdade, e, para o bem ou para o mal, Julie tem de lidar com as consequências das suas próprias ações, bem como das suas indecisões. O que, a ela, lhe parece ora um grande fardo que a paralisa perante o medo de errar, ora um símbolo da sua maturidade.

É com grande ironia e sentido de humor, mas sem nunca menosprezar ou humilhar os sentimentos de Julie, que Trier concebe a sua história sobre a juventude do século XXI. O acelerado mundo novo – em que é difícil sustentar um relacionamento, e ainda mais formar família, assim como é impossível manter o mesmo emprego – desestruturou a vida do passado, revelou as suas insuficiências morais, alimentou novos sonhos e aspirações. Para reduzir a barafunda, o risco e as incertezas do presente, tornou-se mais fácil ver tudo a preto e branco, como certo e errado, distinguir pessoas boas e pessoas más, categorizar tudo quanto possível. Trier compreende e expõe no seu filme estas armadilhas do mundo contemporâneo, a que o próprio título da obra alude inteligentemente.

A Pior Pessoa do Mundo” sintetiza bem o desejo de se querer, por um momento que seja, suspender tudo e parar o mundo antes de se ter de tomar decisões de vida, para aproveitar os últimos tempos de despreocupação. Seja em relação ao sexo e à traição, seja por comparação às conquistas das gerações antepassadas, seja quanto à morte e à doença. Nesse sentido, é um filme profundamente jovem, com a energia, a ansiedade, o humor e a irreverência apropriadas.

Depois de “Reprise” (2006) e “Oslo, August 31” (2011), os dois filmes que completam esta “trilogia de Oslo” do realizador, Trier termina em grande, com um filme em 12 partes imprevisíveis, surpreendentes, enervantes, cómicas e trágicas. Não será o filme mais agradável a assistir para muitos espectadores, mas é uma obra notável e corajosa.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Jorge Pereira
Rodrigo Fonseca
José Raposo
a-pior-pessoa-do-mundo-sou-euUm filme inteligente e irónico sobre o hiperindividualismo contemporâneo.