Longa tem sido a carreira de Nicolas Cage, um percurso sinuoso por mais de uma centena de papéis que tocam num sem número de géneros e onde podemos encontrar filmes com uma ligação peculiar ao nosso imaginário colectivo. De “Arizona Nunca Mais” , naquela que terá sido uma das suas primeiras performances anunciadoras da avalanche ainda por vir, a este “Pig – A Viagem de Rob“, vão três décadas de um trabalho que se adivinha obsessivo e apaixonado pelas possibilidades expressivas do trabalho de ator: é justo reconhecer que a sua energia criativa contamina frequentemente as produções em que se envolve, e em tempos mais recentes podemos mesmo falar em pequenos acontecimentos de cada vez que um dos seus filmes sai cá para fora. Megalómano? Excessivo? Rei do overacting? Tudo isto e mais alguma coisa (provavelmente), mas é também esta a matéria de que é feita a aura de ícone que o cerca – e que muitas vezes ofusca um pensamento mais crítico e atento sobre automatismos mais ou menos patéticos (ou geniais?) que volta e meia se aproximam dos seus desempenhos como pequenos parasitas.

De uma maneira muito genérica, é também verdade que este culto a Cage se deve em muito aos efeitos que a internet passou a exercer sobre a cultura da celebridade, uma relação que coincide com a aproximação do ator ao universo de filmes série-B, uma “queda” com resultados muito desequilibrados, mas que ainda assim nunca deixaram de denunciar o magnetismo da sua presença. Olhando de passagem para os seus filmes mais recentes (de forma assumidamente arbitraria, para evitar tropeções pelo cemitério de desastres absolutos), encontramos toda uma galáxia delirante: em “Colour Out of Space” (excelente!) protagoniza o papel de um pai de família que se vê no meio de um horror cósmico de proporções Lovecraftianas após a queda de um meteorito; em “Mandy” (far out) é um tipo alienado que vê a casa isolada onde vive com a mulher invadida por um alucinante culto religioso; e no festival de histrionismo de “Mom And Dad” é o pai do titulo num filme que nos conta a história de um estranho fenómeno que faz com que pais desatem a chacinar filhos.

Pig – A Viagem de Rob” tem uma premissa (digamos assim) emblemática deste registo Cage tardio, num enredo que podia fazer lembrar um cruzamento entre o imaginário do John Wick, com o documentário Gunda, rematado com uma pitada de Hell’s Kitchen: Rob (Cage) é um eremita que foi em tempos um respeitado chef de cozinha e que agora se dedica a apanhar trufas para vender a restaurantes da cidade, tudo graças ao precioso olfato da sua estimada porca, a companheira de todas as horas que é raptada por bandidos e que coloca Rob no encalce dos raptores em busca de justiça e vingança.

O filme, que assinala também a estreia de Michael Sarnoski na realização, vive num primeiro momento das rotinas de Rob embrenhado e absorto na floresta, para depois se transformar num pseudo thriller de vingança. Mais “melancólico” e contido do que em performances anteriores, a atuação de Cage evoca ainda assim um absurdo que lhe é muito próprio, capaz de cruzar um certo grau de introspeção com algum humor mais torto, em particular nos momentos em que questiona possíveis suspeitos pelo desaparecimento da sua porca, isto sempre acompanhado pelo seu contacto com o mundo exterior, o jovem Amir (Alex Wolff) – a sequência-chave envolve precisamente um discussão culinária com o chef de um restaurante que nunca deixa de ter a sua graça.

Sarnoski, que também escreveu o filme, parece ter construído um filme à justa medida de Cage: se, por um lado, é óbvio que soube retirar óbvios proveitos da colaboração, não deixa também de ser evidente a ambiguidade do resultado final, em particular nas oscilações de tom que afligem o filme de ponta a ponta – ora se quer levar muito a sério, ora chafurda no seu pretenso estatuto de filme de culto.

Pontuação Geral
José Raposo
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
pig-porca-vinganca"Pig - A Viagem de Rob" tem uma premissa (digamos assim) emblemática deste registo Cage tardio, num enredo que podia fazer lembrar um cruzamento entre o imaginário do John Wick, com o documentário "Gunda", rematado com uma pitada de "Hell's Kitchen"