“Odiava quando se referiam aos meus filmes como documentários”, assim o diz o falecido explorador e cineasta Jacques-Yves Cousteau neste objeto documental assinado pela norte-americana Liz Garbus. Mesmo assim, ele prontificou-se a receber o Oscar dessa categoria, isto já depois de ter conquistado a Palma de Ouro em Cannes em 1956 por “The Silent World“. 

O cinema apareceu por aqui na sua vida, já com as suas expedições em marcha, mas desde muito jovem que o famoso comandante do Calypso decidiu usar a câmara como um bloco de notas. O resultado dessas notas é o que o mundo viu ao longo de 50 anos. Dezenas de trabalhos, séries de TV, muitos erros e também descobertas que mudaram a humanidade e como olhamos para o mar.

Liz Garbus, realizadora de filmes como “Bobby Fischer Against the World” e “Lost Girls”, traça ao longo de 90 minutos neste “Becoming Cousteau” um retrato de quem foi este homem que fez do mar o seu objeto de curiosidade e do Calypso – um antigo draga-minas da Segunda Guerra-Mundial – a sua casa, na qual também se encontrava a sua esposa, Simone Melchior, e muitas vezes os filhos, Philippe e Jean-Michel Cousteau.

E esta aventura pelos mares de Costeau, repleta de ignorância (ele mesmo admite) e um espírito de aventura que o forçou a inventar formas de ir cada vez mais longe e mais fundo, começou ainda antes do maior conflito global do século XX, tendo o próprio durante a guerra cumprido a sua missão no mar a resgatar corpos, algo que admite nunca ter esquecido. 

Porém, foi depois da 2ª Guerra Mundial que Cousteau, juntamente com o oficial naval Philippe Tailliez e o mergulhador Frédéric Dumas, ficaram conhecidos como ”mousquemers” (”mosqueteiros do mar“), um trio que realizava experiências de mergulho no mar e em laboratório. Um trio desfeito quando o mergulhador faleceu durante uma dessas experiências.

Neste início da carreira, o próprio admite que para financiar as suas expedições recorreu à indústria do petróleo, chegado-se mesmo a dizer que o Calypso é o grande responsável dos Emirados Árabes Unidos se terem tornado a potência que são nos combustíveis fósseis.  

Il faut aller voir(É preciso ir e ver [com os próprios olhos]) era o seu lema, a que se juntaram outros slogans quando começou a perceber que os mares estavam em perigo devido à poluição, tornando-se – especialmente a partir dos anos 60 – num dos seus maiores defensores.

É vagueando entre o Cousteau curioso, forçado a ser inventor (ao serviço da oceanografia, mas também do cinema), transformado em cineasta, explorador e ativista que Garbus trilha o seu caminho, não esquecendo alguns dramas pessoais (morte de um filho e da esposa) e a força que as suas palavras tiveram perante vários líderes mundiais na defesa do planeta.

Repleto das imagens absorventes, cativantes e até miraculosas do fundo dos mares que o próprio Cousteau captou, além de filmagens e diários particulares, com “Becoming Cousteau” Garbus entrega ao espectador um objeto fílmico didático e construtivo, especialmente na tomada de consciência dos perigos da ação humana no mar.

Contudo, e numa vida tão rica e longeva como a de Cousteau, 90 minutos nunca seriam suficientes para aprofundar várias temáticas. Mas ao não omitir ou suavizar os erros cometidos, partido deles para mostrar uma transformação, a cineasta consegue igualmente transmitir para a audiência um despertar “ecológico”, lembrando que muito antes de uma “pirralha” chamada Greta Thunberg, os temas que a sueca aborda com justificada arrogância tinham o selo e apoio de pessoas que todos confiavam como Jacques-Yves Cousteau.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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