Soa até a heresia chegar ao segundo dia de um festival e apregoar que dificilmente vamos encontrar nos restantes (10) um filme visualmente tão impetuoso como “Atlantide”, do videoartista e cineasta italiano Yuri Ancarani. 

Essa potência, essa força, só encontra paralelo nos silêncios que se amontoam neste glorioso híbrido que insere ficção numa forma documental, desconstruindo a Veneza que conhecemos do cinema e da qual criámos um mapa mental, mesmo sem nunca a ter pisado. O cineasta originário de Ravenna entra pela laguna adentro, a maioria das vezes a alta velocidade em sequências noturnas maravilhosamente iluminadas, transportando-nos numa verdadeira trip sensorial que permanentemente nos deixa num estado de transcendência.

Arcani passou quatro anos na região a observar jovens e decidiu construir uma história sobre alienação, centrando-se em Daniele, um rapaz local da ilha de Sant’Erasmo cuja vida parece guiar-se pela perseguição de superar as velocidades alcançadas pela sua lancha, como que alimentando a sua vida vazia, orientada, como a de tantos outros, para o eterno turismo que alimenta a região e a transforma num espaço descaracterizado.

2021 tem sido um ano curioso no que toca a fetichização de elementos comuns que servem de extensão do próprio homem, sejam máquinas automóveis que assumem a tarefa de dar prazer e até um legado (“Carro Rei”, “Titane”), sejam os “barchinos” divinos, adulterados para outras formas de prazer por uma subcultura de jovens que quer mais na vida que a rotina turística lhe trás. Seja como for, no cinema a interação máquina-homem tem ganhado relevo em relação às relações sociais e isso, por si só, é um tema que merece uma discussão mais aprofundada.

Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
atlantide-veneza-a-alta-velocidadeUma verdadeira trip sensorial que permanentemente nos deixa num estado de transcendência.