Entre a surpresa e a desilusão, “Benedetta” é uma bizarra tirada nunspoitation – um subgénero que seguiu um curso paralelo aos filmes de mulheres na prisão da década de 1970 e 80 – em que erotismo lésbico e paródias fantasiosas frequentemente com elementos sobrenaturais evocam o espírito de Ken Russel, Jesus Franco, Walerian Borowczyk e Joe D’Amato, além de um grande número de cineastas japoneses.

Pequena jovem “abençoada” que faz a sua vida num convento até assumir a posição de madre superiora, Benedetta Carlini foi abadessa do convento Madre de Dios, em Pescia, durante o Renascimento. Ela ingressou no convento aos 9 anos e começou a experimentar uma série de visões sobrenaturais com Jesus, o que motivou uma investigação minuciosa por parte da igreja e que derivou na documentação do primeiro romance lésbico da história moderna.

Baseado no livro Immodest Acts de Judith Brown (pseudónimo do casal de sucesso Judith Barnard e Michael Fain), inicialmente a obra iria ser escrita a meias por Verhoeven e Gerard Soeteman, colaborador habitual do realizador; mas como este iria focar-se no carácter lésbico da personagem e não nas “maquinações políticas” que ela executa recorrendo à sexualidade, Soetman saiu de cena e pediu mesmo que o seu nome fosse retirado dos créditos, surgindo agora o de Verhoeven e David Birk, que tem no seu currículo de escrita obras como “Elle” (2016) e “Slender Man” (2018). 

Percebe-se essa opção de saída de cena de Soetman e a sua ausência sente-se na forma poeirenta de alguns diálogos e ações, algures entre o softcore barato e a exploração de violência gratuita. Uma ausência que se nota e que reduziu o filme a mero produto de entretenimento sem qualquer hipótese de se manter muito tempo na memória e um objeto menor na carreira de Verhoeven.

No protagonismo encontramos a soberba Virginie Efira, sempre sexy, com ou sem a batina, que vai ter na chegada de uma jovem plebeia (Daphne Patakia) o gatilho para explorar a sua sexualidade. As duas vão estar sobre o olhar atento da madre superiora, interpretada por uma Charlotte Rampling a voltar a pisar terrenos do cinema de culto com o seu charme habitual. Ficam, porém, por aí – além do revanchismo herético do “viva o politicamente incorrecto”- os elogios de um filme que nunca consegue ser mais que um exercício de meras referências e diversão temporária e descartável, apenas galvanizado por uma massa crítica que recuperou o cineasta da catalogação trash e incluiu-o no circuito dos maiores nomes autorais.

Na verdade, o transgressivo por aqui é todo ele referencial, chegando a existirem exemplares maiores comparáveis da simbologia religiosa com cerca de 50 anos, bastando para isso lembrarmo-nos de “Viridiana” (1961) de Bunũel e a utilização de artefactos católicos como base para a provocação, como a faca/crucifo, aqui respondida por Verhoeven através de uma figura de Jesus que na ponta funciona como dildo, soando a piada embutida para simplesmente chocar.

Dito isto e no final, mais que o estatuto de claro crowd-pleaser para os fãs do cineasta e do exploitation, “Benedetta” soa sempre a um filme B artificial de orçamento robusto para juntar massas numa eventual sessão da meia noite, mas não merecia estar na corrida à Palma de Ouro. Merece uma olhadela, mas o seu potencial era tão grande que nunca nos poderemos dar por satisfeitos com um mero ato de mimicar outros autores e obras de décadas passadas.

Crítica de José Raposo na página 2

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Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
Paulo Portugal
Daniel Antero
José Raposo
benedetta-nuns-just-wanna-have-funMero produto de entretenimento sem qualquer hipótese de se manter muito tempo na memória e um objeto menor na carreira de Verhoeven.