Davud é um jovem que tem uma relação contenciosa com a sua mãe e, um dia, devido a um conflito com outro homem que assume proporções inesperadas, vê-se perseguido através do Azerbaijão, onde conhece várias pessoas que o vão ajudando a fugir e na procura de um amor com que sonha, intercalando a acção (até hesito em usar esta palavra) com momentos poéticos. Onde quer que vá, Davud traz a morte e o seu objectivo parece-lhe passar ao lado na sua viagem, mas retorna a casa um homem diferente.

A primeira comparação que vem à cabeça é com a “Odisseia”, no seu carácter episódico e no seu objetivo final, mas falta-lhe a coerência que até o agressivamente mundano “Ulysses” de James Joyce consegue. As coisas parecem acontecer porque se traduzem em imagens que poderão ser bonitas, sem qualquer motivo ou casualidade, e a sua resolução é sempre insatisfatória ou mesmo desconcertante. Aliás, essa parece ser a chave: mais do que um filme narrativo, este parece surgir de ideias para imagens, um pouco como “Un Chien Andalou” de Buñuel e Dali.

Este é um filme que tinha um público específico ainda antes de ser iniciado: produzido por Carlos Reygadas, filmado por um aluno de Béla Tarr e sendo comparado por muitos com Tarkovski, dificilmente seria repudiado com tais credenciais. Mas vejamos a obra e não o seu contexto de produção: as representações são muito fracas, as cenas de ação são ridículas de más (é difícil conter o riso e a estupefação com o clímax do conflito inicial), e os únicos aspectos que parecem redimir todo o filme são mesmo a sua cinematografia, ainda que não faça nada de verdadeiramente original com a imagem, e o retrato social do Azerbaijão, que parece fazer de forma quase involuntária. Esse último, parece querer advogar a igualdade de género (ou pelo menos mostrar a situação social da mulher na sociedade azerbaijã), mas acaba por reconhecer e validar formas de masculinidade tóxica como hierarquias sociais e de autoridade válidas, desfazendo todo esse trabalho e sendo necessário um grande exercício de “cherry picking” para o ler assim.

No final, a apreciação deste filme terá mais a ver com a “facção” a que se pertence (ou se quer pertencer) do que com qualquer mérito que este possa ter. Para uma maioria das pessoas, este filme é aborrecido e, mesmo com menos de hora e meia, longo. Se quiserem (e em tom de provocação óbvio) a melhor maneira de se apreciar este filme é, como se diz para os filmes de super-heróis: deixar o cérebro à porta e apreciar.

Pontuação Geral
João Miranda
entre-a-morte-e-o-aborrecimentoA apreciação deste filme terá mais a ver com a “facção” a que se pertence (ou se quer pertencer) do que com qualquer mérito que este possa ter