Segunda-feira, 20 Maio

Sessões na Cinemateca – Escolhas de 7 a 12 de março

Esta semana o programa da Cinemateca inclui dois “In Memoriam”. O primeiro, já iniciado na semana passada, é uma homenagem a um grande ator recentemente falecido: Sidney Poitier (1927–2022). Poitier foi o primeiro ator negro a receber o Oscar de melhor ator principal, e tornou-se um ícone antirracista, sendo um dos responsáveis pelo crescente reconhecimento dos atores negros a partir das décadas de 1950 e 1960. O ator participou em mais de 50 filmes, construindo muitas das suas personagens em filmes que questionavam a questão racial, e rejeitando pelo caminho muitos filmes que prolongavam estereótipos de subserviência social. De entre os filmes selecionados pela Cinemateca, salientamos aquele que é porventura o seu papel mais famoso.

Também o cineasta Peter Bogdanovich (1939-2022) é relembrado esta semana com uma despedida que exibe alguns dos seus filmes mais celebrados. O realizador esteve para ser o convidado de honra da Cinemateca no ano passado, estando prevista uma retrospetiva integral da sua obra e uma carta branca em sua presença, mas a pandemia obrigou ao adiamento e esse reencontro acabou por falhar. Esta semana recomendamos um filme de Ernst Lubitsch que estava previsto na carta branca que Bodganovich chegou a desenhar para a Cinemateca e que é explicitamente retomado em She’s Funny That Way, o seu último filme de ficção.

Paralelamente, prossegue o ciclo “Susan Sontag – Imagens de Pensamento”, que através de vinte filmes tem como principal objetivo dar a conhecer a quase desconhecida obra cinematográfica da célebre escritora e filósofa norte-americana Susan Sontag (1933-2004). Sontag realizou apenas quatro filmes, mas, vertendo o seu pensamento em imagens e estas em pensamento, foi cineasta-antes-de-o-ser quando escreveu sobre os realizadores e filmes que admirava. Advogava uma estética minimal, silenciosa, sensível à “superfície” da forma e facilitadora de uma nova postura crítica que postulou no seu ensaio «Contra a Interpretação», designadamente apelando a uma erótica, ao invés de uma hermenêutica, da imagem. Neste ciclo inclui-se um conjunto de filmes representativos de aspetos importantes do pensamento plural, sensível e imprevisível de Sontag, incluindo ainda algumas das suas preferências cinéfilas mais incontornáveis, tal como as manifestou em textos críticos sobre filmes ou realizadores. Através de uma mistura original de obras canónicas, de ficção e de documentário, com obras obscuras, série B ou underground, expõem-se linhas do seu pensamento filosófico, dando-se, assim, conta do seu grande ecletismo e impressionante plasticidade. Esta semana consideramos imperdível um dos seus preferidos filmes de série B.

Finalmente, a completar as nossas escolhas desta semana, estão filmes que integram programas habituais da Cinemateca: o filme escolhido pelos próprios espetadores em “O Que Quero Ver”; o filme mensal da rubrica “Inadjectivável”, que mostra obras para cuja beleza, ou para cuja grandeza, nunca há qualificativos suficientes; e a sessão dupla de “Double Bill”.

Estas são as nossas sugestões para as sessões a decorrer na semana de 7 a 12 de março:

Guess Who’s Coming to Dinner? (Adivinha Quem Vem Jantar, 1967) – Segunda-feira, 7 de março, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro. Realizada no auge da luta pelos direitos cívicos, esta “conversation piece” à antiga mostra a perplexidade de um casal de ideias liberais quando a filha lhes apresenta o noivo, que é negro. A personagem é de Sidney Poitier, o primeiro ator negro integrado em Hollywood, o primeiro a não ser confinado a papéis de atleta, cantor ou criado. Também foi o último filme de Spencer Tracy, e valeu o segundo de quatro Oscars a Katharine Hepburn.

The Tingler (1959) – Terça-feira, 8 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro // Quinta-feira, 10 de março, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro. Este é um daqueles cult movies a não perder, quintessência do “método” do realizador William Castle, o “Hitchcock dos pobres”, que ficou popular por causa de gimmicks como choques elétricos nas cadeiras para assustar os espectadores. Grande parte da ação deste filme decorre num cinema onde o Tingler (bicho estranho que encarna o medo) ataca, durante a exibição de Tol’able David (o filme mudo de Henry King). Susan Sontag, no seu Camp – Algumas Notas, refletiu abundantemente sobre o fenómeno camp associado ao prazer despretensioso por produções série B, de gosto duvidoso ou flagrantemente transgressor. Talvez querendo aprofundar o conceito, terá escrito, nos seus diários, “Lembra-te de The Tingler!” – assim mesmo, com ponto de exclamação.

The Naked Spur (Esporas de Aço, 1952) – Quinta-feira, 10 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. Um dos filmes que mais “ensombreceu” a imagem de James Stewart, que, aqui, é um herói que não age por pureza, mas por interesse. É o mais conhecido dos cinco westerns que o ator fez com Anthony Mann, aquele em que a ação é mais concentrada, com um grupo de cinco personagens, o que mais amplia a imensidão do espaço que os cerca. Os argumentistas Sam Rolfe e Harold Jack Bloom foram nomeados aos Oscars pelo seu trabalho sobre as personagens.

Working Girls (As Profissionais do Sonho, 1986) – Sexta-feira, 11 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. O trabalho sexual é retratado com radical neutralidade no olhar imersivo e ricamente detalhado de Lizzie Borden sobre os ritmos e rituais da profissão mais estigmatizada da sociedade. Inspirada nas experiências das trabalhadoras do sexo que Borden conheceu ao fazer o seu manifesto feminista underground Born In Flames, esta obra revela as vicissitudes do dia a dia de Molly (Louise Smith), uma fotógrafa que trabalha em part-time num bordel de Manhattan. Ao olhar a prostituição enquanto uma modalidade do trabalho assalariado, Borden cria uma representação empática, humanizadora e muitas vezes bem-humorada das mulheres para quem este trabalho é apenas “mais um dia no escritório”.

El Angel Exterminador (1962) & Deux Fois (1968) – Sábado, 12 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Ambos estes filmes levam a um extremo a figura da repetição, tão cara aos surrealistas, que nas duas histórias determina o curso da narrativa e a quebra das suas convenções. “A melhor explicação para El Angel Exterminador é que, racionalmente, não tem nenhuma.” Assim explica Luis Buñuel a sua obra-prima e o penúltimo filme que dirigiu no México, fábula feroz sobre a burguesia presa dos seus conceitos, preconceitos e ideias feitas, onde um grupo de pessoas é misteriosamente impedido de sair de uma festa. Montadora de cineastas como Eric Rohmer ou Jean-Daniel Pollet, próxima do grupo Zanzibar e dos situacionistas, Jackie Raynal encontrou em Deux Fois a sua própria voz. Filmado em Paris e Barcelona, o filme tornou-se um clássico do cinema “experimental” e do cinema “no feminino”. O encontro entre uma mulher e um desconhecido serve de ponto de partida para um objeto cinematográfico conotado com as vanguardas cinematográficas, em que vários elementos, como indicia o título, surgem duas vezes.

Cluny Brown (O Pecado de Cluny Brown, 1946) – Sábado, 12 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. O último filme de Ernst Lubitsch é uma obra corrosiva sobre uma jovem canalizadora que, por via da profissão, conhece um escritor polaco por quem se apaixona. Os tradutores portugueses que acrescentaram o “pecado” ao título lá teriam as suas razões. “Este é o filme de Lubitsch em que a câmara menos se move e em que o vazio ocupa mais lugar. Cineasta tão ligado ao prazer e à carne, é sintomático que tenha terminado filmando o tabu desse prazer e dessa carne, ou o grande escândalo – o pecado – da sua jamais pacífica coexistência” (João Bénard da Costa). Uma das paixões cinéfilas de Peter Bogdanovich, que o cita explicitamente no seu derradeiro filme de ficção, She’s Funny That Way.

Nota: Na segunda-feira, 7 de março, voltará a ser exibido o filme Duett För Kannibaler (Dueto para Canibais, 1969), recomendado pelo C7nema na semana passada.

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