Quarta-feira, 24 Abril

Sessões na Cinemateca – Escolhas de Março

Nesta rubrica do C7nema encontram-se as nossas recomendações mensais sobre a programação da Cinemateca Portuguesa.

Este mês a Cinemateca sugere que descubramos José Celestino Campusano, realizador argentino que estará em Lisboa para apresentar as principais obras da sua carreira e o seu novo filme, Hombres de Piel Dura. Em paralelo, decorrerá uma retrospetiva pela obra de Jorge Silva Melo, o profícuo leitor, espectador, crítico, professor, autor, cronista, tradutor, ator, argumentista, realizador, dramaturgo, encenador e diretor artístico português.

É, contudo, o ciclo «Carta Branca 2020 a Jorge Silva Melo» que apresenta as maiores surpresas, recheado que está de filmes que tanto marcaram a vida de Melo, como a História do Cinema do século passado. A secção dedicada a Saul Bass, o designer, é o outro ponto alto deste último programa invernoso de 2020, que celebra as estações do ano no habitual ciclo «Double Bill». Eis as nossas sugestões.

CARTA BRANCA 2020 A JORGE SILVA MELO

Como o nome indica, os títulos desta secção foram escolhidos com total liberdade por Jorge Silva Melo. “São filmes de que me lembro hoje, filmes que me fizeram adulto, filmes que vêm de longe, muitos filmes muitas vezes vistos, pensados, sonhados”, entre os quais destacamos:

Rio Bravo (1959) – É um dos mais famosos westerns de sempre, e a obra-prima de Howard Hawks. Um grupo de homens com uma missão a cumprir é o tema geral dos filmes de aventuras de Hawks, neste caso, a de manter a ordem numa pequena cidade, e levar a julgamento um assassino. Mas é também uma variação sobre a “guerra dos sexos”, com um fabuloso duelo verbal entre John Wayne e Angie Dickinson. Sessões: Quarta-feira, 4 de março, 19h00 // Terça-feira, 10 de março, 15h30

Close-Up (1990) – Uma das maiores obras de Abbas Kiarostami, este filme é extraordinariamente livre e complexo, mas simples à superfície. Construindo-se nos registos documental e da ficção, e refletindo sobre a natureza da imagem, do real e do cinema, segue a história de um homem desempregado que finge ser o realizador Mohsen Makhmalbaf. Jorge Silva Melo defende-o como um filme que coloca as questões fundamentais do cinema com simplicidade e nitidez: “Depois deste filme não é possível fazer cinema da mesma maneira. Ficamos a duvidar de tudo.” Sessões: Quarta-feira, 4 de março, 21h30 // Sexta-feira, 13 de março, 15h30

Odd Man Out (Casa Cercada, 1947) – Com uma atmosfera expressionista que anuncia o seu grande The Third Man, Carol Reed encena aqui um verdadeiro “poema fúnebre” sobre a solidão e o peso do destino, nesta história de um chefe político do Sinn-Fein, ferido num assalto e alvo de uma gigantesca caça ao homem. Quase inteiramente passado numa só noite, foi o filme que deu a James Mason uma das suas grandes personagens e o reconhecimento internacional antes de Hollywood. Sessões: Quinta-feira, 5 de março, 19h00 // Sexta-feira, 6 de março, 18h30

Le Rayon Vert (O Raio Verde, 1986) – Sexto e último filme da série «Comédias e Provérbios» de Éric Rohmer, sob a epígrafe de um verso de Rimbaud: “Ah, que venha o tempo/ em que os corações se apaixonam!”. Nele, uma jovem secretária não sabe o que fazer durante as férias de verão e depois de muitas hesitações vai para Biarritz, onde terá uma súbita revelação. O filme tem uma deliberada estratégia de cinema amador, mal compreendida quando estreou, mas é uma obra radical, densa, luminosa. Sessões: Sexta-feira, 6 de março, 21h30 // Segunda-feira, 30 de março, 15h30

La Baie des Anges (A Grande Pecadora, 1963) – Muito longe do filme cantado que seria uma das marcas do seu cinema, esta obra-prima de Jacques Demy descreve a paixão de uma mulher pelo jogo e o seu périplo de casino em casino na companhia do amante. A realização tem a leveza e a elegância do cinema do realizador, mas também capta magnificamente a angústia dos jogadores e a sua neurose. Filmado a preto e branco em cenários naturais na Côte d’Azur, o filme conta também com a prestação fabulosa de Jeanne Moreau. Sessão: Segunda-feira, 9 de março, 19h00

Wanda (1971) – Um filme feito à mão pela atriz Barbara Loden. História de uma mulher solitária e pobre na Pensilvânia, interpretada por Loden, Wanda é uma experiência radical sobre a solidão americana e o sonho dos pobres. Um segredo tardiamente revelado da História do Cinema, mas um belíssimo filme que Jorge Silva Melo viu cinco vezes, “nessas duas semanas em que esteve em exibição”. Sessão: Quinta-feira, 19 de março, 15h30 // Segunda-feira, 30 de março, 19h00

Man of the West (O Homem do Oeste, 1958) – O último grande western de Anthony Mann e, talvez, o mais pessimista dos seus filmes, onde deixa perceber a sensação de fim de um ‘’mundo’’ e de uma forma de viver. O desempenho de Gary Cooper é admirável na figura de um antigo bandoleiro regenerado que procura auxiliar uma comunidade, acabando por reencontrar-se com o passado e ajustar contas com ele. Sessões: Segunda-feira, 23 de março, 15h30 // Quinta-feira, 26 de março, 19h00

Dolgye Provody (O Longo Adeus, 1971) – Proibido até aos anos da Perestroika no final da década de 1980, este foi o filme que revelou ao mundo um dos grandes nomes soviéticos do cinema moderno: Kira Muratova. Trata-se de um romance sobre o amor e a solidão através da história de uma mãe solteira, do seu filho adolescente e do pai deste, um homem que abandonou a família anos antes. É a obra-prima de Muratova, um filme de extremo lirismo em que Zinaida Sharko compõe extraordinariamente a personagem impulsiva e frágil da mãe. Sessões: Quarta-feira, 25 de março, 19h00 // Sexta-feira, 27 de março, 15h30

SAUL BASS, ARTE DO GENÉRICO

Eram especiais os genéricos de filmes que vinham com a assinatura deste designer nova-iorquino. A arte experimental de Bass baseava-se numa abordagem visual sempre muito “reduzida”, seguindo “a ideia mais simples”, pretendendo, por um lado, captar a essência do filme para o qual o genérico se destinava e, por outro, acrescentar camadas de leitura que espicaçassem o imaginário do espectador. O seu trabalho, desenvolvido na companhia de alguns dos maiores realizadores do seu tempo (Preminger, Hitchcock, Wilder), contribuiu para a criação de uma assinatura estilística muito distintiva: sob forte influência pictórica do modernismo, a composição gráfica de Bass mistura animação com imagem real, reduzindo as intrigas a símbolos de linhas nítidas, bem como promovendo o lançamento de uma espécie de “mote estético” (tons, ambientes, sensações e humor) da obra em questão. Esta dedicatória a Bass, no ano do seu centenário, terá uma segunda parte no próximo mês de abril.

North By Northwest (Intriga Internacional, 1959) – Um dos filmes mais célebres de Hitchcock, é um prodígio de construção de suspense, com algumas das cenas mais famosas do mestre (a perseguição do avião, a corrida no monte Rushmore). O filme é também um autêntico repositório de todos os seus temas e obsessões – o “falso culpado” –, de todos os seus jogos e alusões eróticas. Os créditos de abertura concebidos por Saul Bass, que tiram proveito da estrutura geométrica da fachada de um grande edifício, foram pioneiros do uso da tipografia cinética, técnica que combina texto e movimento para transmitir uma sensação de dinamismo na imagem, aqui brilhantemente potenciada pela música de Bernard Herrmann. Sessões: Segunda-feira, 2 de março, 15h30 // Sexta-feira, 6 de março, 19h00

Carmen Jones (1954) – Otto Preminger realiza uma provocante revisão da ópera de Bizet, a partir da adaptação feita por Oscar Hammerstein II, que transforma a famosa cigana numa negra e D. José num sargento do exército americano. Destaque para a presença de Pearl Bailey, que entoa uma das mais famosas melodias, para a fabulosa fotografia de Sam Leavitt e para o genérico de Saul Bass, com a sua “rosa de fogo”. Sessões: Segunda-feira, 2 de março, 19h00 // Quinta-feira, 5 de março, 15h30

Phase IV (1973) – Saul Bass é mais conhecido como o autor de fabulosos genéricos, concebidos segundo as regras de um catálogo gráfico “de unidades abstratas” (por exemplo, as espirais e o olho de Kim Novak em Vertigo), do que como realizador. Phase IV foi a sua única longa-metragem, produzida dentro do modelo de género (a ficção científica) e dando largas a um espírito criativo a que se aliam o sentido plástico e de ritmo. Esta ficção científica surrealista e ecológica tem ganho o estatuto de obra de culto em tempos recentes. Sessões: Terça-feira, 3 de março, 15h30 // Quinta-feira, 5 de março, 18h30

The Age of Innocence (A Idade da Inocência, 1993) – Scorsese adapta o clássico de Edith Wharton e filma mais uma vez Nova Iorque. A ação situa-se no fim do século XIX, quando a sociedade nova-iorquina vivia espartilhada pelos costumes e convenções sociais. Michelle Pfeiffer é a mulher que regressou da Europa e cuja atitude se confronta com esse rigor social. Sobre a sequência de abertura desenhada por Saul Bass, com uma sensualíssima série de fundidos-encadeados de flores a desabrochar, Scorsese confidenciou: “Tudo estava ali. Era a essência do filme que queria fazer: o desejo, o sentimento de uma paixão escondida.Sessões: Terça-feira, 3 de março, 19h00 // Quarta-feira, 4 de março, 15h30

West Side Story (Amor Sem Barreiras, 1961) – Uma superprodução que teve imenso êxito internacional e apontou para uma renovação do musical americano. O realizador Robert Wise conta que Jerome Robbins, o coreógrafo, “ficou intrigado com a ideia de filmar os números de dança nas ruas de Nova Iorque”, uma aposta formal a que se junta a da revisitação de Romeu e Julieta no confronto entre bandos juvenis de Manhattan. A música é de Leonard Bernstein e o fabuloso genérico de abertura, com os nomes da equipa de produção marcados a giz numa parede ou nos sinais da cidade, é da autoria de Saul Bass. Sessões: Quarta-feira, 18 de março, 15h30 // Segunda-feira, 30 de março, 21h30

CINEMATECA JÚNIOR

Numa parceria com a secção «Monstrinha» do Festival de Animação de Lisboa – MONSTRA, que trará ao Salão Foz o diretor do festival, Fernando Galrito, selecionamos dois filmes muito diferentes, mas extremamente imaginativos, na sua forma de contar histórias em animação:

Fantasia (1940) – O mais ambicioso projeto do mago dos desenhos animados, Walt Disney, é um grande filme de animação, que homenageou algumas composições musicais célebres como a Pastoral, de Beethoven ou A Sagração da Primavera, de Stravinski. A primeira é ilustrada com uma divertida história no Olimpo grego e a segunda acompanha a origem do mundo e da vida e a extinção dos dinossáurios. Há também uma irresistivelmente cómica Dança das Horas, dançada por crocodilos e hipopótamos, e ainda a presença especial do convidado Mickey Mouse como Aprendiz de Feiticeiro, entre outras grandes composições. Sessão: Sábado, 14 de março, 15h00

Ma Vie de Courgette (A Minha Vida de Courgette, 2016) – Um menino chamado Ícaro, mais conhecido pela sua alcunha de Courgette, vai para um orfanato depois da trágica morte da mãe. Depois deste terrível revés na sua vida, vê-se com dificuldade em integrar-se no seu novo lar. Com uma curiosíssima animação em stop motion, a sua história de infância reflete sobre a importância da confiança, do carinho e da amizade. Sessão: Sábado, 28 de março, 15h00

DOUBLE BILL

O Double Bill de março andará à volta do ciclo das quatro estações do ano e das suas respetivas idiossincrasias meteorológicas e simbólicas, uma temática que o cinema tantas vezes trabalhou. Entre muitos filmes e realizadores, Éric Rohmer foi um dos que mais refletiu sobre a questão, tendo dedicado às quatro estações uma das suas famosas séries. Neste ano de centenário do realizador, a Cinemateca faz rimar os «Contos das Quatro Estações» de Rohmer com filmes de outros cineastas que aproveitaram a “personalidade” de cada estação para vincar uma particular tonalidade da narrativa:

Conte de Printemps (Conto de Primavera, 1993) & Banshun (Primavera Tarde, 1949) – No primeiro conto de Rohmer, um homem anda às voltas com três mulheres, mas tudo se passa com a perfeição e o rigor que são a marca deste cineasta, profundamente enraizado nas tradições do teatro clássico francês. O filme é “como uma partitura musical, cujos movimentos se sucedem com a mesma precisão geométrica com que as personagens são dispostas no argumento” (Giancarlo Zappoli). Já Banshun é o filme que inaugura o período final de grande maturidade da obra de Ozu. É a partir daqui que, no seu cinema, a trama narrativa se torna rarefeita e o estilo visual se depura ao máximo: raríssimos movimentos de câmara, ausência total de panorâmicas, sequências ligadas unicamente por cortes e a celebérrima posição da câmara, quase sempre a mesma, à altura de uma pessoa sentada no chão, à japonesa. E como sempre, neste período final, Ozu conta histórias de separação e resignação, histórias de mudanças e da passagem do tempo. Sessão: Sábado, 7 de março, 15h30

Conte D’Autumne (Conto de Outono, 1998) & Hannah and Her Sisters (Ana e as Suas Irmãs, 1986) – Dois filmes que dão a ver a chegada de uma maturidade outonal a um conjunto de personagens femininas marcadas pelas suas ligações sentimentais. Para muitos, este é o mais conseguido dos contos das quatro estações, no qual Rohmer foca duas protagonistas quadragenárias, interpretadas por atrizes que foram protagonistas de outros filmes seus (Le Rayon Vert e Le Beau Mariage). Pode-se considerar que Rohmer retoma as mesmas personagens, com quinze anos de intervalo, e o que era dúvida, pura atitude, contradição entre sistemas e realidades, resolve-se numa história de harmonia e reconciliação. Hannah And Her Sisters, por sua vez, é um dos filmes mais complexos de Woody Allen, cuja ação decorre ao longo de várias celebrações do dia de Ação de Graças acompanhando a evolução das relações entre três irmãs, os seus maridos ou ex – relações marcadas por separações e enganos, deceções e neuroses várias. Nova Iorque, cenário inevitável dos filmes de Allen até há poucos anos, surge magistralmente pintada em tons outonais pela fotografia de Carlo Di Palma. Sessão: Sábado, 21 de março, 15h30

Conte D’Hiver (Conto de Inverno, 1991) & All That Heaven Allows (O Que o Céu Permite, 1955) – Duas obras que têm na neve e no frio do inverno o pano de fundo de amores perdidos e reencontrados. As personagens de Conte D’Hiver não pertencem ao meio social habitual do cinema de Rohmer e os atores são amadores. Há porém no filme a típica visão da vida como extensão da literatura: uma representação do Conto de Inverno, de Shakespeare, dá à protagonista a certeza de poder reencontrar o homem que amara e que perdera de vista. Em paralelo, um dos grandes filmes de Douglas Sirk é um objeto do mais extremo artifício, mas é-o de modo consciente e assumido. Jane Wyman é uma viúva, ainda jovem, numa pequena cidade da Nova Inglaterra e Rock Hudson, um jardineiro cerca de 15 anos mais novo, torna-se seu amante. Apesar da oposição dos filhos da viúva e dos habitantes da cidade, o amor acaba por triunfar, num irónico “happy end”. Ironia que se estende a uma das mais celebradas cenas do filme, a mais gélida noite de Natal que o cinema já filmou. Sessão: Sábado, 28 de março, 15h30

OUTRAS SECÇÕES

Huo Zhe (Viver, 1994) – A partir da história de uma família, o realizador Zhang Yimou faz o retrato da China e das suas convulsões sociais e políticas ao longo dos anos 50 e 60 do século passado, período associado à Revolução Cultural levada a cabo por Mao Tsé-Tung. Zhang, que havia tido problemas com o Partido Comunista, procurava nesta altura lavar a sua imagem, tendo confidenciado, nas poucas entrevistas que deu a propósito deste título, que pretendia enfatizar não a tragédia do povo chinês, mas a força e generalizado sentido de humor com que este tem enfrentado as dificuldades da vida. Sessão: Segunda-feira, 2 de março, 21h30

La Mariée Était en Noir (A Noiva Estava de Luto, 1967) – Adaptação do romance The Bride Wore Black, de um dos autores policiais favoritos de Truffaut, Cornel Woolrich/William Irish (também autor de Rear Window), esta é a história da vingança de uma mulher, interpretada por Jeanne Moreau, sobre vários homens responsáveis pela morte do seu noivo no dia do casamento. Outro nome de ressonâncias hitchcockianas, Bernard Herrmann, assina a banda sonora. Sessão: Terça-feira, 3 de março, 21h30

Liberté (2019) – Albert Serra virá à Cinemateca apresentar esta antestreia, que dá continuidade ao seu filme La Mort De Louis XIV com um novo olhar sobre a aristocracia europeia. Nas vésperas da Revolução Francesa, um grupo de libertinos em viagem dedica-se durante uma noite a um cerimonial de “jeu de massacre”. É um prolongamento do olhar de Serra sobre a história e a cultura europeias, que vai buscar um vulto lendário para encabeçar o elenco: o “viscontiano” Helmut Berger, que interpreta o Duque de Walcher. Sessão: Sábado, 7 de março, 21h30

Le Roi et L’Oiseau (O Rei e o Pássaro, 1980) – Paul Grimault foi um dos principais autores do cinema francês de animação, sobretudo no formato da curta-metragem. Le Roi et L’Oiseau é uma das suas três únicas longas, e porventura a mais célebre. Autêntico projeto de uma vida, o filme, baseado numa história de H.C. Andersen, começou a ser preparado nos anos 1940, mas apenas ficou pronto em 1980, quando teve grande sucesso. A sessão faz parte da colaboração com o MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa. Sessão: Quarta-feira, 25 de março, 18h30

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