Filmes sobre cultos não faltam no cinema, mas a polaca Malgorzata Szumowska mostra que ainda existe algo mais para mostrar sobre este tema em “The Other Lamb“, projeto visualmente poético e atmosférico, mas que não acrescenta nada em termos de estudo psicológico e desconstrução das suas personagens crípticas e cegas em torno de uma figura divina esquemática.
Algures nos EUA, um pastor (o holandês Michiel Huisman) toma conta do seu “rebanho” de esposas e filhas, usando um discurso essencialmente cristão, mas com algumas variações como a impureza da menstruação. A cineasta polaca não perde tempo em contar a história por trás das suas personagens, ou antes, como chegaram até ali, mas aos poucos e poucos vai revelando o passado, centrando a sua atenção na jovem Selah (Raffey Cassidy), que claramente é a preferida do pastor e que frequentemente o observa com ambivalência nos seus olhos indecifráveis.
É um filme que essencialmente vive da atmosfera e onde a serenidade e calma, normalmente poderosas ferramentas de paz para as personagens, transmitem aqui exatamente o sentimento oposto, ou seja, uma tensão latente e nervosismo que nos deixa apreensivos do princípio ao fim.
De ritmo lento (muita gente saiu da sala de cinema e um espectador adormeceu mesmo e roncou em San Sebastián) e os habituais tiques pretensiosos (que vejo como ousadia numa indústria cada vez mais uniformizada e esterilizada), The Other Lamb ganha pontos no seu jogo constante entre realidade e onirismo, brilhando especialmente o diretor de fotografia Michel Englert (que constrói quadros vivos e carrega nas cores contrastes) e a montagem rica em anacronismos de Jaroslaw Kaminski, um nome mais conhecido pelo seu trabalho constante com Pawel Pawlikowski (Ida, Cold War).
No elenco, Huisman tem carisma – um Jesus Cristo superstar em permanente sintonia com o rebanho – e Rafael Cassidy confirma os créditos de The Killing of The Sacred Deer, numa história de emancipação e levantamento contra o poder (já Elas da cineasta era assim), mas acima de tudo de transição entre o patriarcado e o matriarcado, onde continua a não existir o Paraíso, o Éden, para ninguém.
