Quarta-feira, 8 Maio

Flee: mundos oprimidos entre o Afeganistão e a Dinamarca

Nos cinemas

Sucesso em todos os festivais de cinema por onde passou, nomeado a três Oscars, a longa-metragem dinamarquesa “Flee” (Fuga) chegou finalmente aos cinemas nacionais.

Na sua delicada (mas doída) narrativa, Rasmussen regista o passado do seu amigo de juventude Amin Nawabi. Esse é o pseudónimo de um intelectual altamente graduado que, às vésperas de se casar com o namorado, luta com segredos dolorosos ligados à sua infância em solo afegão, que manteve escondidos por 20 anos e que ameaçam desestabilizar a sua paz e futuro. Na entrevista a seguir, o seu realizador, conhecido por filmes como “Searching For Bill” (2012), conta ao C7nema detalhes sobre a arte de animar a não ficção.

Jonas Poher Rasmussen

De que forma “Flee” (“Fuga”) funciona como um lugar de pertença para Amin, frente a tudo o que deixou para trás e frente à incapacidade dele de conseguir abrir-se?

Essa dificuldade e essa falta de pertença são frutos do medo, que passa inclusivamente pela sua orientação sexual, no temor de poder ser expulso da Dinamarca, de alguma forma. É um temor que passa pelos traumas que viveu. É uma vivência que conjuga angústia, desespero e esperança. Imagine ser um rapaz gay no Afeganistão quando as autoridades patrulham a sua vida. Ele passou por isso, tendo sempre que fugir.

É muito divertida a citação a Jean-Claude Van Damme no filme, como sendo um objeto de desejo para Amin. Vocês falavam sobre o kickboxer quando se conheceram? De que forma a estrela de “TimeCop” aproximou vocês?

Não era uma questão de conversarmos sobre Van Damme, embora tenhamos vistos juntos um ou outro filme dele. Aliás, o que mais importou foram os filmes dele que vimos cada um no seu país: eu, em Vallekilde; ele, em Cabul ou em Moscovo. Quando nos aproximamos, existiam uma série de músicas e de filmes que descobrimos mais ou menos na mesma época, mas em contextos bem diferentes. Com o destaque que, no caso dele, era um contexto de escape.

O projeto sempre foi pensado como animação? Quanto custou? Como foi operacionalizado a partir das cartilhas animadas?

Não era animador e não desenho. Trabalhava com rádio documentários, histórias com voz. E pretendia fazer um projeto nessa linha com Amin. Mas ele tinha muito pudor da sua história e temor em ser reconhecido, ainda que na versão original, dinamarquesa, são as vozes dele e do seu namorado que ouvimos. Quando combinamos que a sua trajetória seria narrada no cinema, concluímos que teríamos de usar animação. E tive a sorte de trabalhar com o Sun Creature Studio, que tem muita experiência, procurando uma narrativa que fosse simples no seu realismo, mas que conseguisse investir na dimensão surrealista. Afinal, quando se fala de trauma, falamos de memória. O projeto custou cerca de 4 milhões de dólares. Comecei a registar os depoimentos de Amin há seis anos. Mas a animação, em si, levou dois anos.  

Como é que o seu filme dialoga com a produção dinamarquesa atual e com a história do seu país nos ecrãs?

Pela dimensão territorial que ocupamos, até alcançamos uma boa visibilidade no cinema. Temos um cinema aqui que só quer vender bilhetes, mas contamos com o apoio para filmar histórias mais pessoais, mais dolorosas, como a de “Flee”. Em toda a Escandinávia é assim e temos visto bons filmes vindos de jovens da Noruega.

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