Sábado, 18 Maio

Ninjababy: Yngvild Sve Flikke e o seu guia para contornar os clichês com um humor ácido

Depois de também lidar com a gravidez e a maternidade na sua obra em estreia para o cinema, “Women in Oversized Men’s Shirts” (2015), a norueguesa Yngvild Sve Flikke virou-se para adaptação da banda-desenhada “Fallteknikk”, que virou “Ninjababy” nos cinemas. 

Exibida nos Festival de Berlim e com estreia norte-americana programada para a próxima semana no South by Southwest (SXSW), no centro do furacão desde filme está Rakel (Kristine Kujath Thorp), que com vinte e poucos anos descobre que está grávida de 6 meses. Fã de uma vida cheia de “sexo, drogas e rock n’ roll”, Rakel terá de lidar com a gravidez, mas também com o pai da criança e com um novo interesse amoroso que conheceu recentemente.

Repleto do humor ácido e louco, muito característico dos países nórdicos, “Ninjababy” está longe das comédias-românticas a que estamos habituados, tentando desconstruir os estereótipos e mostrar que nem todas as mulheres do mundo sonham com a maternidade.

Yngvild Sve Flikke

Falamos com a realizadora  do filme, que nos explicou as dificuldades que encontrou na adaptação ao cinema da novela gráfica de Inga Sætre, e a forma como trabalhou o jogo entre imagem real e animação que nos acompanha em toda o seu projeto

Como começou o processo de desenvolver este “Ninjababy” e que influências teve para ele, além da banda-desenhada (Fallteknikk ) que adapta?

 O projeto chegou quando estava a terminar o meu primeiro filme, “Women in Oversized Men’s Shirts” (2015). Queria explorar a expressão da animação, pois tinha nesse filme algumas sequências que foram trabalhadas no final, como um topping. Desta vez não pretendia isso, queria mesmo misturar imagem real e animação de forma mais narrativa. E também queria explorar a noção de estar grávida,  toda a ambivalência e loucura de estar nesse estado. Já estive grávida duas vezes e queria transportar estes conceitos para um filme, mas também a beleza.

Pensei na novela gráfica da Inga Sætre e já conhecia o trabalho dela. Sabia que era animadora, mas nunca tinha trabalhado com ela. Juntamos-nos e procuramos ver se havia uma conexão que permitisse trabalharmos em conjunto. Chegamos a conclusão do que queríamos mostrar: o que é ser uma rapariga, um rapaz, estar grávida e não querer a criança. Tudo acabou por vir até nós, naquilo que pretendíamos e que passava também pelo humor e uma sensação de estranheza, de algo não polido e em bruto, fugindo aos estereótipos de coisas que vês sempre em comédias. 

Conseguimos uma grande conexão e trabalhamos no filme durante uns anos. Enquanto estava a desenvolver o filme, ainda filmei uma série sobre o futebol, que é bastante famosa na Noruega e foi exibida na Berlinale em 2019. O showrunner da série era também o argumentista e gosto muito do seu trabalho, especialmente nos diálogos. Ele é também um argumentista impaciente, o que também agrada-me, pois também sou muito impaciente. Pedi a sua ajuda, pois as dias estávamos “bloqueadas”. Ele devolveu-nos um guião que mostrava que tinha apreendido tudo o que desejávamos fazer no filme. Melhorou tudo o que tínhamos e até veio dele a personagem do Ninjababy. Depois, partiu para outros trabalhos e nós as duas continuámos a desenvolver o filme, mais especificamente a questão da animação. Sabíamos que não tínhamos tempo ou dinheiro para gastar nisso, por isso tivemos de ser muito precisas no trabalho e evitar erros. Tivemos de pensar muito bem como usar a animação nas cenas e na história.

A animação misturada com imagem real fez-me lembrar “O Diário De Uma Adolescente”. Li algures que chegou a falar com a animadora desse filme para pedir alguns conselhos. 

Fui a Nova Iorque e como sabia que ela é de lá perguntei se podíamos tomar um café. Ela foi verdadeiramente maravilhosa. É islandesa. Disse-lhe o filme que ia fazer e perguntei-lhe se tinha algum conselho a dar-me. Ela veio com o melhor de todos. O realizador e o montador do O Diário De Uma Adolescente estavam em Bruxelas e ela em Nova Iorque, o que tornou difícil a colaboração, o envio de ficheiros, os fusos horários diferentes, etc. Aconselhou-me a colocar o montador e o animador a trabalharem o mais próximo possível. Fiz isso, tornando o processo muito dinâmico. Éramos três: eu, a Inga e o Karen Gravås. Fizemos imensas experiências antes de filmar. Foi um ótimo conselho e estou-lhe muito agradecida.

Kristine Kujath Thorp e Nader Khademi

Teve de estudar e investigar pessoas como a Rakel, jovens e grávidas, para o seu filme?

Sim, tive de estudar pessoas que tinham passado pela gravidez e que não deram por isso facilmente. Conheci algumas assim e foi realmente interessante perceber que são coisas que realmente acontecem. Estares grávida, mas o teu corpo não nostra e na tua mente nem sequer passa a ideia de uma possível gravidez.

Tínhamos uma equipa muito pequena. Era um filme de baixo orçamento e tínhamos de o acabar rapidamente. Se surgisse uma improvisação ou isso, estudava-a e deixava ou não entrar. Tentei criar uma maneira dinâmica de trabalhar, o que é complicado quando tens uma agenda muito apertada. Acho sempre que quando deixo fora essas pequenas improvisações o meu trabalho perde vida e a energia de mostrar algo real e honesto. Foi muito divertido trabalhar neste filme e ver a Kristina e a sua amiga no filme, interpretada pela Tora Christine, a fazerem cenas iguais à realidade, à sua maneira de falar, muito frontalmente. Elas conseguiram realmente encontrar uma química e foi muito divertido vê-las no sofá a dizer que os homens com mais de 12 anos deviam ser todos esterilizados (risos) – algo que normalmente não diriam a outras pessoas, mas que naquele quarto é permitido. Ali, podes ser exatamente o que és. 

E há coisas muito peculiares no filme, como o rapaz do Aikidô ser descrito como o que cheira bem, a “manteiga”. Ou então o nome da personagem do pai da criança: “Dick Jesus”.

(risos) Soa melhor em norueguês: Pikkjesus. A tradução inglesa soa muito estranha (risos)

Sim (risos). Como foi criar aquelas duas personagens masculinas, que são muito diferentes uma da outra, mas que durante o filme mudam a sua forma de ser?

Sabia desde o início que a personagem principal não ia mudar a sua maneira de ser e ver a gravidez. Ela não quer ser mãe. Já a personagem masculina, o Dick Jesus, realmente muda. Queria uma comédia que questionasse os estereótipos. Quando perguntei aos estudantes se existiam personagens com quem se identificavam ou conheciam, a pessoa que mais repetiram era o “Dick Jesus”. 

Sem dúvida. Estava a ver o filme e a pensar que tenho um amigo que encaixa nele completamente. E tem barba e tudo. Este tipo existe em todo o lado.

Pretendia que as personagens femininas saíssem das convenções, mas também mostrar aos homens que existem muitas formas de “ser um homem”. E apesar delas darem-lhe a alcunha de “Dick Jesus“, ele tem igualmente um lado muito bondoso nele e muitas qualidades.

Já o ator que interpreta o papel de Mos, o Nader Khademi, já conhecia e tinha trabalhado com ele. Ele é o tipo de ator que normalmente faz papéis de comic relief nos filmes e séries. Por isso mesmo sabia que tínhamos de trabalhar duro para extrair dele um lado onde a ironia não podia chegar. Ele é um nerd com um grande coração e empatia. E é muito importante que ele veja a Rakel como ela é, deixando-a relaxada quando está com ele.  Ela não tem de mudar, ele aceita-a como é, com os problemas e falhas. Todos nós também temos amigos que são assim e por isso queríamos alguém bondoso e correto, mas com espinha dorsal. Que tivesse preferências e as manifestasse naquilo que quer fazer. E a Rakel precisa dele, desse grande coração, para entender que a vida é muito mais que os seus problemas. 

Trabalhamos muito nessa dinâmica entre nós. É curioso, massou aquela que acaba sempre a falar com os nerds (risos). Queria que essa personagem fosse assim, boa. Um bom amigo.

Tem algum projeto novo que nos possa contar?

Tenho um par de filmes em que estou a trabalhar e vou mantê-los ainda em segredo, pois estou na fase de pensar na direção que os quero levar. Mas já tenho uma ideia do que quero que nos façam sentir quando estiverem prontos e isso é o mais importante, a par do tom. Mas não vou partilhar o tópico.  

Atualmente dedico a maior parte do meu tempo a uma nova série aqui na Noruega, que é uma peça histórica sobre os anos 1970, que envolve política e lutas de poder. Tem a ver com o Partido Trabalhista e quando a Gro Harlem Brundtland, que se tornou na primeira mulher a ocupar a cadeira de primeiro-ministro na Noruega. Depois disso ela fez carreira internacional, chegando à OMS. É também uma comédia, satírica. Mais realizadores vão participar nesta série que tem muitos episódios. Eu vou realizar 4. 

E considera trabalhar com a Kristina novamente?

Sem dúvida, em qualquer projeto. Isto claro (risos), se existir um papel que ela possa fazer. E vou ter certamente de ganhar músculos para afastar os outros realizadores dela (risos). 

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