Sábado, 18 Maio

Azor – Nem uma palavra: a vida secreta da banca suíça na Argentina em ditadura

Nos cinemas a 21 de abril

Apesar de ter saído da Berlinale, onde concorria na secção Encounters, sem prémios, “Azor – Nem uma palavra” foi mesmo um dos filmes que mais se destacou na sua programação.

Profundamente atmosférico, rodeado permanentemente de um ambiente de mistério e suspense, o filme traça um retrato do mundo secreto e discreto dos banqueiros suíços e a sua ação numa Argentina em ditadura, no início da década de 1980.

Movendo-se entre a história de detetives e o drama histórico, num jogo de iluminação das sombras, o tema nasceu após o seu realizador, Andreas Fontana, encontrar um diário pertencente ao avô, um eminente banqueiro suíço, registando reuniões que ia ter na Argentina durante numa viagem de negócios ao país, regido na época por uma Junta Militar. “Pensei que era um tema interessante e comecei a investigar muito. Descobri muitas coisas e não invento muito.“, disse-nos o cineasta em estreia nas longas-metragens. E com Andreas falámos ainda da criação da atmosfera lúgubre de toda a sua fita, do cinema suíço e da imagem da Suíça perante o mundo, e dos seus planos para o futuro, onde apenas uma coisa parece ser certa: “gosto do peso que tem o silêncio e acho que isso não vai desaparecer em mim“.

Algo fundamental no seu filme é a atmosfera. É um filme de detetives, um pouco noir. Quais são as suas influências? Por exemplo, houve momentos em que lembrava-me dos filmes do Costa-Gravas, como o “Z”.

Eu venho mais do terreno literário, estudei literatura. Sou um grande cinéfilo, mas o meu lugar sagrado, a minha religião, é a literatura. A minha relação com ela tem a ver com o suspense, o mistério. Por exemplo, quando descobri [Raymond] Chandler, [Robert Louis] Stevenson, [Roberto] Bolaño foram choques estéticos que muitas vezes foram mais fortes que a minha relação com o cinema.

A atmosfera que vemos no filme vem um pouco disso, da minha relação com a leitura, mas também da minha investigação na Argentina quando encontrei este tipo de pessoas, que pareciam um pouco como os espiões. E cheguei a ficar em situações muito incómodas. Sentia uma relação de grande violência, não comigo mas em geral. Por isso, muita da inspiração veio da minha própria experiência.

Marcelo Fernández Mouján, Fabrizio Rongione, Claudio Deschamps

Disse que estudou muito o tema, a relação entre os militares, políticos e religião, em particular no início dos anos 80. Como se processou esse estudo sobre aqueles tempos?

Foi um estudo muito variado e envolveu muitas pessoas que me contaram como eram as coisas naqueles tempos no que diz respeito ao relacionamento dos bancos com os seus clientes. Por outro lado, houve um estudo, não sei se histórico, mas um pouco jornalístico sobre esses anos, tanto no que diz respeito aos bancos suíços, como em relação à ditadura na Argentina. Encontrei-me com catedráticos, na Suiça e na Argentina, li muito e a partir desse ponto comecei a descobrir um olhar sobre algo pouco visto, falado ou trabalhado, que era a questão dos sequestros. A grande maioria dos crimes da ditadura foram sequestros de pessoas, mas existiam também sequestros para extorsão de dinheiro por parte de ladrões comuns. Isso tudo, relacionado com um banco, pareceu-me interessante.

No que diz respeito à igreja, são coisas que aconteceram, mas é importante ver que nem toda a gente ligada a ela agiu ao lado da junta militar. Mas sim, houve uma parte que sim.

É curioso ver que a maioria de nós tem sempre uma imagem da Suíça como exemplo, da civilidade, etc. Mas recentemente temos visto muitos filmes que têm contrariado isso. Por exemplo, vi um filme chamado “Caged Birds”, que curiosamente conta a história de um ladrão de bancos, que mostra outra Suiça [longe de exemplos]. Achas que ainda há muitas histórias da Suíça por contar que vão mudar a perspetiva que temos do país?

Bem, espero que sim. Acho que a Suíça fez muito bem o seu trabalho, pois toda a gente sabe que ela tem chocolates, bancos e relógios. Para um país tão pequeno, isto significa que soube comunicar-se bem ao mundo. Mas isso para o cinema é um problema, porque o espectador quando vê um filme da Suíça tem muitos preconceitos. Por um lado é mau, mas por outro é bom. O cinema trabalha com arquétipos. Como é o banqueiro no imaginário do espectador? Tem uma imagem negativa, por isso tens de trabalhar com essa imagem [preconcebida].

Quanto à mudança da imagem da Suíça, isso acontecerá com cineastas que trabalhem bem. Por exemplo, o Xavier Dolan soube mudar a imagem do Canadá. Esperemos que aqui um cineasta consiga isso.

Fiz esta questão porque em 2012 falámos com a Ursula Meier e ela disse-nos que as pessoas não faziam ideia do que era a Suíça. Que era um local muito conservador e uma sociedade castradora. Achas que isso também influencia o cinema que se faz lá?

É muito complicada a relação da Suíça com o cinema. Quando chegou o que chamamos a Nova Vaga do cinema suíço, no final dos anos 1960 e início dos 1970, com cineastas como [Alain] Tanner ou [Michel] Soutter, já falavam de um problema com a ficção no país. Existe uma cultura do documentário muito forte, mas a ficção é muito difícil de fazer.

Creio que a Suiça tem um problema de autoestima, de desprezar os seus poetas. Isso vale para o cinema, para a literatura e muito mais. Para alguém que trabalha na ficção, no cinema, isso não lhe dá muita confiança, por isso fazes filmes a imitar o cinema mais comercial ou o de autor de outras paragens. (…) A Ursula não tem esse problema, pois parece-me que encontrou o seu cinema. (…) Esta questão de não ter confiança na sua própria cultura, no que diz respeito à possibilidade de narrar, é um problema.

É também um pouco o que me fascina na Argentina. Para eles, a narração é um jogo. Essa coisa de ter prazer em narrar, para um suíço [a trabalhar lá], é um alívio. É como uma festa.

Stéphanie Cléau, Ioana Padilla, Carmen Iriondo, Fabrizio Rongione, Raúl Lissarrague

E tens uma relação de grande proximidade com a Argentina. Vais continuar a trabalhar lá ou na Suiça?

Como acabei de dizer, tenho uma grande ligação à Argentina no que diz respeito ao encarar a narrativa e o imaginário. Ao longo da minha vida encontrei muitos argentinos que, por uma razão misteriosa, tiveram muita importância na minha vida.

Quando estava a filmar na Argentina – onde é muito estimulante – pensei muitas vezes em como filmar na Suíça. E também sei que será difícil filmar lá. Mas o meu dever é trabalhar com o que sou e sou suíço. O meu interesse não é tanto a Argentina, senão cruzar idiomas e culturas. E a Suíça é um bom local de cruzamentos.

E como és no trabalho com os atores? Alguém que lhes dá o texto e têm de seguir ou aceitas as sugestões que te dão?

Bem, não tenho nenhuma relação com a improvisação. Há muitas personagens no meu filme que não são atores. Na Argentina, por exemplo, quase todos não são profissionais. O que mais fiz foi trabalhar nos ensaios e começar a observá-los. Primeiro, para escrever as personagens em função deles; depois para perceber onde essas personagens podiam ir ou não ir. A partir daí a tarefa foi entregar-lhes os textos para ver sentiam-se cómodos com eles. Às vezes mudava-se uma linha, uma frase.

Tenho de dizer que trabalhei neste filme com a Maria Laura Berch na Argentina e o Alexandre Nazarian em França. Os dois são “coaches” de atores e ambos ajudaram-me muito a aprender e a trabalhar com a observação em relação a um não-ator.

O “Azor” também fala um pouco de uma coisa que podemos descrever como neocolonialismo, com um banqueiro a saquear o dinheiro, a riqueza, de um país.

Sim, de uma forma interessante também dialoga com o presente e o passado do neocolonialismo. Há uma frase interessante do director de um banco francês nos anos 60, um grande dirigente público da banca: “Os banqueiros suíços conseguiram algo incrível, que é estarem em todo o lado, mas ninguém os vê”. Agora já não é assim, estão na merda, porque toda a gente fala deles. Mas durante meio século foi assim. Estavam por todo o lado e eram invisíveis. Acho que esse anonimato e discrição era uma estratégia e não um problema. Muitas vezes vê-se essa invisibilidade como um problema, mas para eles não era assim. Isto mostra bem a estratégia dos países pequenos no que seria a neocolonização. Até porque Suiça não tem exército, ou se tem é infimo, por isso tinham de agir de outra forma.

Para ti, qual foi a importância deste filme estrear em Berlim?

É muito importante estar em Berlim na secção Encounters. Tive a sorte do filme poder financiar-se facilmente, de o fazer com prazer e sem ter de cortar coisas para encaixa-lo aqui ou ali. Senti-me livre na forma de escrever, filmar e chegar a Berlim é um reconhecimento importante.

E tens um novo projeto, sobre diplomatas e a sua relação com o território, em Genebra. Podes falar um pouco desse filme? Vais continuar a apostar numa atmosfera como no “Azor”, que é um objeto muito sensorial.

Estou ainda nos primeiros passos, mas creio que há uma continuação na análise desse poder que age nas sombras, que trabalha sempre assim e não procura a fama. Nesse sentido, tem sempre muito a ver com a atmosfera, pois trabalhamos continuamente entre as sombras e a luz. O “Azor” propiciou-me experimentar certas coisas. Agora quero fazer outras, mas vai ser uma ficção com uma forma talvez um pouco distinta. Mas gosto do peso que tem o silêncio e acho que isso não vai desaparecer em mim.

Notícias