Ainda que com contornos de ficção científica, “I’m Your Man” segue a estrutura das comédias românticas, um género pouco habituado a marcar presença nas competições principais dos maiores festivais de cinema. A verdade é que o filme está na disputa ao Urso de Ouro, com Maren Eggert e Dan Stevens a protagonizarem um par romântico improvável. Ela uma cientista brilhante, ele um robô humanóide preparado para de forma algorítmica ser a “alma gémea da mulher”, preenchendo todos os requisitos que ela procura num homem.
Dan Stevens, o ator britânico mais conhecido pelos papéis de Matthew Crawley em “Downton Abbey”, Fera/Monstro em “Beauty and the Beast”, a versão live-action do clássico de animação da Disney e David Haller na série de televisão ”Legion”, foi o escolhido para o papel desse robô humanóide, explicando ao C7nema como filmar este projeto foi para ele um verdadeiro desafio: “Tive muita sorte que um guião destes tenha aparecido. O filme aborda temas atuais sobre a humanidade e o futuro, levantando grandes questões que estão hoje em cima da mesa. O guião está feito de uma maneira muito simples e frontal através da estrutura de uma comédia romântica. O desafio de atravessar a Europa para participar num filme em que falava alemão, num momento em que estamos a viver uma pandemia, foi também muito importante para mim”.
Reconhecendo que estes filmes entre robôs e humanos transformaram-se por si só num género, Steve admite que acima de tudo procurou-se jogar com os diferentes níveis da humanidade, pois é daí que surgem os maiores momentos de comédia, pela presença constante do apelidado “vale da estranheza“, que contrariavam tudo o que a personagem interpretada por Maren Eggert, Alma, defende: “Foi uma experiência de atuação muito interessante, pois para a Maren Eggert este “robô” não é o tipo de parceiro habitual que tem no palco. E também não obtém dele o feedback que espera, o que alimenta a comédia. A realizadora, Maria Schrader, tentou trazer algumas das questões das comédias românticas mais antigas olhando principalmente para o Jimmy Stewart e o Carey Grant. Se olharmos para algumas das suas performances na comédia, especialmente o Carey Grant, é muito robótico nos seus maneirismos. Tentamos incorporar algo daí e foi bastante positivo.“
O termo “alma gémea” é também motivo de debate nesta obra, sendo usado para de certa maneira prever que irá evoluir com a utilização de algoritmos que comparam os gostos e preferências de cada um dos indivíduos através determinadas características que querem encontrar no parceiro. Mas será que a tendência será de fortalecimento desse mesmo conceito num mundo algorítmico? “Bem, essa questão é gigantesca. Não sou um engenheiro informático, apenas um ator, mas é uma das questões interessantes que o filme levanta. A Maria Schrader é muito cínica no que toca aos algoritmos e tenta fazer a questão do será que é possível criar esta espécie de lista de coisas que caracterizam alguém como alma gémea? E se uma pessoa preencher todas essas coisas, será ainda assim a pessoa perfeita que queremos encontrar ao nosso lado? O nosso conceito do que é o parceiro ideal está em permanente mudança, para nós individualmente e também como sociedade, por isso o algoritmo possível para chegar a isso terá de ser muito sofisticado para acompanhar essas mesmas transformações”, disse Stevens.
E será que neste mundo em transformação, com os algoritmos a comandarem as operações, e o surgimento de robôs humanóides poderá colocar em causa o trabalho de atores reais? Será que no futuro poderemos contar com prémios de interpretação divididos entre atores reais e robôs servidos por Inteligência Artificial (IA)? Dan Stevens não tem dúvidas que a indústria, seguindo a sociedade, irá tentar repetidamente isso, mas acredita que o “toque humano” será sempre especial e “essencial“. “Existe aquele lado humano – seja o que isso for – que especialmente sente-se nos filmes sobre o amor e o romance. A essência desses filmes é a humanidade, aquela capacidade de falhar e de criar um relacionamento estranho. Tenho a certeza que os robôs e a IA vão chegar muito perto de reproduzir isso, mas creio que haverá sempre algo que faltará. Bem, pelo menos espero que isso aconteça”, explica Stevens entre risos.
Mais curiosa foi a resposta da realizadora Maria Schrader a uma questão semelhante, já que o trabalho dos argumentistas e realizadores poderá ser muito influenciado pelo “algoritmo do gosto“. Schrader acredita que o trabalho e a visão dos argumentistas e realizadores de cinema de autor, onde insere este filme, vai permanecer, mas reconhece que nas obras mais comerciais feitas para o Cinema ou para as plataformas de streaming, esse cenário vai acontecer. Como exemplo ela explicou-nos que este “I’m Your Man” foi construído totalmente com a sua visão e com a do outro argumentista, Jan Schomburg, mas que recentemente, quando trabalhou para a Netflix em “Unorthodox“, realmente sentiu que no pós-produção a força dos produtores e da plataforma sobrepuseram-se às suas opções artísticas e pessoais.